quinta-feira, 16 de abril de 2015

COISAS DA VIDA

Resultado de imagem para imagem vidraça quebrada
FOTO: GIZELA SANCHEZ


A VIDRAÇA

(Por Violante Pimentel) Era uma escola pública da periferia da capital. A maioria dos alunos era proveniente de famílias pobres. A rigidez do professor impunha medo aos meninos, que procuravam se comportar bem, com medo dos castigos. Esses castigos iam desde a perda do recreio, até a permanência de joelhos, no fim da sala, até o término da aula. Havia ainda a suspensão, quando a falta era muito grave. Isso tudo implicava na baixa de pontos no comportamento, que manchava o boletim mensal. O professor era um verdadeiro terror, e os meninos tremiam diante dele, quando eram chamados à atenção.

Num certo dia, apareceu uma vidraça quebrada, no colégio.

O professor reuniu os alunos na sala de aula e ordenou que o culpado se apresentasse. Fez-se um silêncio absoluto. Ninguém se acusava. O professor repetiu a ordem, com energia. Foi então que o menor aluno da classe, o mais magrinho, o mais obediente, o mais comportado, o mais pobre, o mais triste, tomou a frente dos companheiros maiores do que ele, e, desconfiado, falou, olhando para o chão:

- Fui eu, professor!…Fui eu quem quebrou a vidraça!!!

O professor, surpreso, respondeu:

- Pois você, agora, ficará de castigo, ajoelhado até o final da aula, e não irá para o recreio durante três dias!!!

Em seguida, o mestre continuou a aula, e os alunos se fecharam no mais profundo silêncio. Só se ouvia a voz grave do professor e o ruído compassado do pêndulo do relógio da parede. A grande sala de aula refletia a tristeza dos alunos. Havia no rosto de todos uma mistura de medo e piedade.

De repente, um soluço abafado despertou a atenção da classe. O professor olhou para a carteira onde o aluno chorava e falou:

- Levante-se, Luciano! Por que está chorando? O que foi que houve?

E o aluno, soluçando, respondeu:

- Professor, fui eu quem quebrou o vidro da janela!!! Não foi o Marcos!!!

Violante Pimentel é procuradora aposentada
 do Estado do Rio Grande do Norte

O mestre fechou o livro que tinha sob os olhos, tirou os óculos e perguntou, com voz mais branda:

- Então, por que deixou seu colega ser repreendido e castigado? Ele está ali de joelhos e sem direito a ir para o recreio durante três dias!!!

Como o menino não desse logo a resposta, o professor virou-se para o outro, que estava de castigo, e disse em voz alta:

- Marcos, levante-se e venha aqui para a frente se explicar! Por que você se acusou de um ato que não cometeu? Por que aceitou ser castigado, sem ter praticado qualquer falta?!!!

Marcos, o menino mais pobre da classe, o menor da turma, o mais triste e o mais comportado, disfarçou, fingindo abotoar a camisa, e, gaguejando, respondeu:

- Eu venho pra escola sem comer… não tenho pai… Minha mãe trabalha na fábrica… ganha pouco… O pão não dá pra todos… não dá pra eu trazer merenda… Então, todos os dias, Luciano divide o lanche dele comigo… ele me dá pão com queijo… Eu sempre disse a ele que um dia eu haveria de pagar esse lanche, que mata a minha fome e faz passar a minha dor de cabeça… O dia que eu pude pagar esse favor foi hoje…

E o menino disparou num choro compulsivo. Ouvia-se na classe o choro alto dos dois alunos.

O austero professor, visivelmente comovido, suspendeu a aula. Com a voz embargada, disse para a classe que a lição daquele dia foi aquele belo exemplo de coleguismo e de gratidão. O velho mestre compreendeu perfeitamente o gesto dos dois alunos, e isso lhe trouxe lágrimas aos olhos.

Todos os alunos se emocionaram com a bondade de Luciano e com a gratidão de Marcos.




Nenhum comentário:

Postar um comentário