FOTO: GIZELA SANCHEZ |
A VIDRAÇA
(Por Violante Pimentel) Era
uma escola pública da periferia da capital. A maioria dos alunos era
proveniente de famílias pobres. A rigidez do professor impunha medo aos
meninos, que procuravam se comportar bem, com medo dos castigos. Esses castigos
iam desde a perda do recreio, até a permanência de joelhos, no fim da sala, até
o término da aula. Havia ainda a suspensão, quando a falta era muito grave.
Isso tudo implicava na baixa de pontos no comportamento, que manchava o boletim
mensal. O professor era um verdadeiro terror, e os meninos tremiam diante dele,
quando eram chamados à atenção.
Num
certo dia, apareceu uma vidraça quebrada, no colégio.
O
professor reuniu os alunos na sala de aula e ordenou que o culpado se
apresentasse. Fez-se um silêncio absoluto. Ninguém se acusava. O professor
repetiu a ordem, com energia. Foi então que o menor aluno da classe, o mais
magrinho, o mais obediente, o mais comportado, o mais pobre, o mais triste,
tomou a frente dos companheiros maiores do que ele, e, desconfiado, falou,
olhando para o chão:
-
Fui eu, professor!…Fui eu quem quebrou a vidraça!!!
O
professor, surpreso, respondeu:
-
Pois você, agora, ficará de castigo, ajoelhado até o final da aula, e não irá
para o recreio durante três dias!!!
Em
seguida, o mestre continuou a aula, e os alunos se fecharam no mais profundo
silêncio. Só se ouvia a voz grave do professor e o ruído compassado do pêndulo
do relógio da parede. A grande sala de aula refletia a tristeza dos alunos.
Havia no rosto de todos uma mistura de medo e piedade.
De
repente, um soluço abafado despertou a atenção da classe. O professor olhou
para a carteira onde o aluno chorava e falou:
-
Levante-se, Luciano! Por que está chorando? O que foi que houve?
E
o aluno, soluçando, respondeu:
-
Professor, fui eu quem quebrou o vidro da janela!!! Não foi o Marcos!!!
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O
mestre fechou o livro que tinha sob os olhos, tirou os óculos e perguntou, com
voz mais branda:
-
Então, por que deixou seu colega ser repreendido e castigado? Ele está ali de
joelhos e sem direito a ir para o recreio durante três dias!!!
Como
o menino não desse logo a resposta, o professor virou-se para o outro, que
estava de castigo, e disse em voz alta:
-
Marcos, levante-se e venha aqui para a frente se explicar! Por que você se
acusou de um ato que não cometeu? Por que aceitou ser castigado, sem ter
praticado qualquer falta?!!!
Marcos,
o menino mais pobre da classe, o menor da turma, o mais triste e o mais
comportado, disfarçou, fingindo abotoar a camisa, e, gaguejando, respondeu:
-
Eu venho pra escola sem comer… não tenho pai… Minha mãe trabalha na fábrica…
ganha pouco… O pão não dá pra todos… não dá pra eu trazer merenda… Então, todos
os dias, Luciano divide o lanche dele comigo… ele me dá pão com queijo… Eu
sempre disse a ele que um dia eu haveria de pagar esse lanche, que mata a minha
fome e faz passar a minha dor de cabeça… O dia que eu pude pagar esse favor foi
hoje…
E
o menino disparou num choro compulsivo. Ouvia-se na classe o choro alto dos
dois alunos.
O
austero professor, visivelmente comovido, suspendeu a aula. Com a voz
embargada, disse para a classe que a lição daquele dia foi aquele belo exemplo
de coleguismo e de gratidão. O velho mestre compreendeu perfeitamente o gesto
dos dois alunos, e isso lhe trouxe lágrimas aos olhos.
Todos
os alunos se emocionaram com a bondade de Luciano e com a gratidão de Marcos.
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