VISÕES E SIMULACROS
Desde
menino eu sei que os cães enxergam em preto e branco. Isso sempre me deixou
precupado e temente de que, em uma outra encarnação, voltasse à Terra como
cachorro, sem enxergar as cores do mundo, as matizes cromáticas que fazem a
felicidade da propaganda consumista e a alegria e a ilusão do homem moderno. Eu
mesmo não saberia viver sem isso. Seria humanamente impossível. Se com tantas
cores o mundo ainda pode nos decepcionar, imagine em branco e preto...
Afinal,
nós, humanos, como São Tomé, imaginamos que o mundo seja apenas aquilo que
vemos, muito embora, hoje, já se saiba que a percepção visual do mundo, a
cosmovisão, varia de espécie para espécie animal. O mundo é muito mais mais do
que enxerga a nossa visão limitada e do que imagina a nossa vã filosofia
racionalista.
Assim,
os pássaros noturnos tem nas suas células visuais uma pigmentação diferenciada
e terminais nervosos que os permitem enxergar o que nós, humanos, não podemos
ver à noite. Para quem precisa da caça para sobreviver, isso é imprescindível.
Para
quem não tem essa capacidade noturna, como o bicho homem, restou o consolo de
descobrir o fogo, queimar óleo de baleia nos lampiões das cidades de ontem e
inventar a luz elétrica. Clarear a noite, tornou-se imprescindível para as
civilizações modernas. Com o advento da Revolução Industrial e a invenção de
máquinas mirabolantes, verdadeiras parafernálias destrinchadoras da luz, vieram
o cinema, a televisão, o computador, os tablets e outras coisas mais. Tudo
isso, com todos os trocadilhos possíveis, tem custados os olhos da cara do
homem moderno.
CLÓVIS CAMPÊLO |
Essas
mesmas máquinas mirabolantes, filhas da modernidade, permitiram ao bicho homem
ampliar o acervo da sua memória visual. Já não basta enxergar o que existe
diante dos olhos. Hoje, temos mecanicamente explicitados para nós o micro e o
macrocosmos, conhecemos as órbitas dos planetas e dos életrons, fotografamos
amebas e nebulosas, mergulhamos nos azuis dos céus e dos mares, sempre em busca
de outras imagens, outras visões, outros paradigmas. Mais do que nunca, nos
tempos modernos, o homem exercita a sua capacidade visual e traduz o mundo que
o cerca e que às vezes ele não vê com os próprios olhos.
Tornamo-nos
conceituais, regidos por imagens que os nossos olhos não captaram ao vivo mas
que foram fornecidas às nossa retinas por máquinas inventadas por nós mesmos,
as alavancas de Galileu. A viagem passou a ser mental, virtual. Não
necessitamos mais de deslocamentos no espaço físico do mundo para conhecê-lo.
Basta que ele venha até nós através dos seus simulacros e nós o decifraremos de
forma adequada ou ilusória.
Fazer
o quê? Esse é o nosso tempo e o nosso mundo. Triste de quem renegar a sua
época!
Recife,
2012
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