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Não conheço gente que goste de se passar por besta. Não fujo à
regra. Embora tenha cara de besta, jeito de besta e me façam sempre de besta,
não sou besta. Acho. O fato objetivo é que ir ao açougue, laticínios ou a
qualquer estabelecimento comercial que venda mercadorias por peso tornou-se,
para mim, tarefa penosa. Vou apreensivo, volto com os nervos arruinados. A
desfaçatez dos balconistas é medonha. Rezam pela mesma cartilha. Foram todos
adestrados na Escola da Lambança Comercial.
Até chego animado, na esperança de que o inevitável não ocorra.
Esperança tola. O inevitável logo se apresenta. Saco a lista de compras do
bolso e faço o pedido:
— Duzentos gramas de peito de peru light sem casca e duzentos de
salame, por favor.
— Só isso, hoje?! – grunhe o atendente com a falta de modos
característica dos mal pagos.
Você nunca sabe se, afinal, ele está lhe fazendo uma pergunta ou
ironizando seu gasto miúdo. O que pretende o infeliz: que eu esvazie o estoque
da espelunca em que ele trabalha? Que eu me empanzine de embutidos até
enfartar?
"A desfaçatez dos balconistas é medonha.
Foram todos adestrados
na Escola da Lambança Comercial"
Confirmado o pedido, o troco vem a cavalo.
— Passou um pouco. Posso deixar ou quer que eu tire? – pergunta o
enfarado de avental.
— Mas passou quanto?
— Deixa ver. Deu 320 de peito e 350 de salame.
— Passou muito, mas pode deixar.
Ante os olhares superiores da turma do cartão-alimentação, que está
ansiosa na fila, sai mais barato pagar mais caro que passar por mendigo. Antes
de entrar no açougue, a próxima de outras paradas obrigatórias, melhor examinar
o bolso. Por que ali, com certeza, também “vai passar um pouquinho”, coisa de
50% a mais do pedido. É preciso ver se há dinheiro para tanto... (2013)
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