A ÚLTIMA DECOLAGEM
TELA DE MAURÍCIO SARAIVA quadroseretratos.wordpress.com |
Ah, se eu pudesse, iria ao teu encontro. Mas não me sinto
preparada
para voos tão longínquos. Por que não vens tu? Só te vejo
em sonhos...
Fico imaginando que deves ter muito trabalho aí e seu
superior não te
dá permissão para viajar. Pena que tu te mudaste para um
local muito
mais distante, e só dá para ir voando, acima, bem acima
das nuvens.
Só de pensar, sinto um calafrio. É um espaço muito grande
entre o céu e
a terra. Tenho a sensação de que ainda pensas em mim, que
ainda te
lembras do nosso primeiro beijo de adolescente, e que
acabou ficando
só nisso! Eu devia ter sido mais audaciosa, no entanto,
se eu assim
me comportasse, podias pensar mal de mim e achar
que eu
não passava deuma garota leviana.
Aí, adeus às minhas intenções de me
casar contigo.
Mas, quer saber? Mesmo assim, me arrependo, porque,
afinal, a vida
acabou nos separando. Se eu soubesse desse nosso triste
destino,
teria deixado a timidez de lado e nosso amor poderia
ter-se consumado.
Eu devia ter deixado que meu pensamento seguisse o ritmo
alegre do
Universo infinito. Sei que tu também querias, mas tinhas
medo que eu
te achasse atrevido. Éramos mesmo dois bobões! Fico
imaginando como
teria sido maravilhoso essa nossa união proibida!
Bom, mas agora não adianta mais ficar pensando nisso. Só
traz
arrependimento e raiva de mim mesma por ter sido tão
pudica... Não te
abandonei. Tive que partir, no auge da nossa paixão. Até
hoje,
passados tantos anos, revejo-me chorando, debruçada na
janela da
maria-fumaça, enquanto tu ias sumindo da minha vista, até
te tornares
uma névoa com teu gesto de adeus na plataforma da
estação. A fumaça
do trem ajudava a embaçar mais ainda a última imagem que
tive de ti,
e o apito do trem abafava nossos gritos de adeus.
Agora, meu amor, depois de esperar tantos anos, vejo que
não podes
vir, creio mesmo que por motivos alheios à tua vontade.
Continuo,
assim, tentando me equilibrar nas ondas da solidão, mas
espero que
quando Deus quiser, Ele libertará meu espírito deste
casulo e,
finalmente, poderei decolar com segurança e voar sem
medo, com minhas
próprias asas, ao teu encontro...
Glória Braga Horta nasceu em Mutum-MG.
É jornalista, poeta e cronista.
Dedica-se também à música popular (canto e teclado)
e às artes plásticas
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