segunda-feira, 2 de março de 2015

GLÓRIA BRAGA HORTA

A ÚLTIMA DECOLAGEM


TELA DE MAURÍCIO SARAIVA
quadroseretratos.wordpress.com


Ah, se eu pudesse, iria ao teu encontro. Mas não me sinto preparada
para voos tão longínquos. Por que não vens tu? Só te vejo em sonhos...
Fico imaginando que deves ter muito trabalho aí e seu superior não te
dá permissão para viajar. Pena que tu te mudaste para um local muito
mais distante, e só dá para ir voando, acima, bem acima das nuvens. 

Só de pensar, sinto um calafrio. É um espaço muito grande entre o céu e
a terra. Tenho a sensação de que ainda pensas em mim, que ainda te
lembras do nosso primeiro beijo de adolescente, e que acabou ficando
só nisso! Eu devia ter sido mais audaciosa, no entanto, se eu assim
me comportasse, podias pensar mal de mim e achar 
que eu não passava deuma garota leviana. 
Aí, adeus às minhas intenções de me casar contigo.

Mas, quer saber? Mesmo assim, me arrependo, porque, afinal, a vida
acabou nos separando. Se eu soubesse desse nosso triste destino,
teria deixado a timidez de lado e nosso amor poderia ter-se consumado.

Eu devia ter deixado que meu pensamento seguisse o ritmo alegre do
Universo infinito. Sei que tu também querias, mas tinhas medo que eu
te achasse atrevido. Éramos mesmo dois bobões! Fico imaginando como
teria sido maravilhoso essa nossa união proibida!

Bom, mas agora não adianta mais ficar pensando nisso. Só traz
arrependimento e raiva de mim mesma por ter sido tão pudica... Não te
abandonei. Tive que partir, no auge da nossa paixão. Até hoje,
passados tantos anos, revejo-me chorando, debruçada na janela da
maria-fumaça, enquanto tu ias sumindo da minha vista, até te tornares
uma névoa com teu gesto de adeus na plataforma da estação. A fumaça
do trem ajudava a embaçar mais ainda a última imagem que tive de ti,
e o apito do trem abafava nossos gritos de adeus.

Agora, meu amor, depois de esperar tantos anos, vejo que não podes
vir, creio mesmo que por motivos alheios à tua vontade. Continuo,
assim, tentando me equilibrar nas ondas da solidão, mas espero que
quando Deus quiser, Ele libertará meu espírito deste casulo e,
finalmente, poderei decolar com segurança e voar sem medo, com minhas
próprias asas, ao teu encontro...

Glória Braga Horta nasceu em Mutum-MG. 
É jornalista, poeta e cronista.
Dedica-se também à música popular (canto e teclado)
e às artes plásticas



Nenhum comentário:

Postar um comentário