O
escritor argentino Jorge Luís Borges afirmava o seguinte: “Dá o santo aos cães,
atira as tuas pérolas aos porcos; o que importa é dar”.
Do
mesmo modo, Renato Boca-de-Caçapa, o filósofo do povo, costuma dizer: “Não
queira saber se são porcos, jogue as pérolas”.
Assim,
os dois, contrapõem-se a citação bíblica (Mateus, capítulo 7, versículo 6) que
afirma o contrário: "Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos
porcos as vossas pérolas, para que não suceda de que eles as pisem com os pés e
que, voltando-se contra vós, vos dilacerem."
Afinal,
se é da natureza e do direito dos porcos apreciar a lama e não as pérolas, não
nos cabe fazer-lhes críticas desnecessárias, e sim, apenas, lamentar que na
impossibilidade do diálogo a comunicação não aconteça.
O
poeta argentino e o filósofo do lúmpen mostram-se mais abrangentes e dialéticos
do que a máxima bíblica, que na sua essência deveria estar repleta de
comiseração e paciência. E, ao mesmo tempo, transferem a importância do
resultado para o ato em si. Isenta cães e porcos da responsabilidade de serem o
que são, já que nisso não há nenhuma maldade implícita e apenas uma conjunção
de vetores naturais que desembocam nessa resultante.
No
texto bíblico há uma crítica subjacente tanto a impureza canina quanto à
insensibilidade suína. Em suma, se tens algo de valor não a dê a quem não a
merece. Esse separatismo não corrige uma provável situação de diferença e
apenas a autentica. Aos porcos e aos cães, ao longo de toda a sua existência,
só lhes caberá ser porcos e cães. Intrinsecamente, também, se a ti foi dado o
reconhecimento e o direito de ter pérolas, não vos cabe contrariar a lei.
Deixai aos porcos o direito de chafurdar na lama e aos cães a eterna
insantidade. As pérolas são tuas. Divida-as apenas com quem de fato as mereça.
CLÓVIS CAMPÊLO |
Eu,
particularmente, acho mais simpáticas as posições do poeta e do filósofo,
porque, antes de tudo, sobrepõem o ser ao ter. A generosidade do dar,
independentemente do resultado final atribuído ao que foi dado, para mim,
substitui com vantagem o egoísmo do ter apenas por ter. Se essa última condição
não significa por si só melhoras concretas e significativas para porcos, cães e
humanos, não existe razão nenhuma para ser mantida. Estabelecer uma linha de
comunicação entre eles, talvez seja mais do que necessário.
Porém,
admito que querer dialogar com porcos e cães talvez seja mais uma utopia
desnecessária e inútil. A estagnação, porém, com certeza não nos levara a lugar
nenhum. Evoluir é quebrar paradigmas e regras consagradas e não discutidas.
Ainda mais quando estamos no topo desse triângulo estabelecido.
Aos
porcos e cães pode ser dado o direito de evolução e transformação. E às pérolas
pode-se ser atribuído um outro valor que abandone o absoluto e transite pela
relatividade.
Para
mim, não está definido que usufruir do valor das pérolas seja um permanente
direito humano.
Recife,
março 2015
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