O frevo é pernambucano e nasceu pelas ruas do Recife, misturando polca,
dobrados, maxixes, tangos e quadrilhas.
O frevo é pernambucano e degenerou-se a partir das bandas marciais que existiam
no Recife no século XIX.
O frevo é pernambucano e teve a sua paternidade
concebida pela banda do 4º Batalhão de Artilharia, o Quarto, e pela banda da
Guarda Nacional, a Espanha de Pedro Garrido.
O frevo é pernambucano e na sua concepção
despretensiosa e natural ousou misturar a dança e a música.
O frevo é eminetemente urbano.
Quem diz isso não sou eu. São vários pesquisadores,
pernambucanos ou não. Entre eles, José Ramos Tinhorão.
No frevo, os dobrados desdobraram-se e foram sendo acelerados. Primeiro, os
passos dos capoeiristas que acompanhavam as bandas e disputavam os espaços das ruas.
Depois, as notas musicais, mais rápidas, mais curtas e mais altas. O frevo
tomava corpo e forma. O frevo mostrava a alma.
O frevo sempre foi do povo. Primeiro do lumpen que acompanhava as orquestras.
Depois, dos trabalhadores urbanos mais organizados.
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CLÓVIS CAMPÊLO |
Acompanhemos Tinhorão:
"Até o início do século XX, as marchas que
começavam a ser frevos, antes mesmo do aparecimento desse nome, ainda não
possuíam o caráter explosivo que o frevo de rua adotaria posteriormente. Quando,
porém, a partir do início do século, são rompidas as relações urbanas algo
feudais do Recife pela presença das indústrias têxtil e açucareira, e a cidade
se enche de novas camadas de trabalhadores procedentes da zona rural,
dissociados das tradições locais, esses moradores de mocambos da zona alagada
permitem o advento do frevo de rua estritamente orquestral, destinado pura e
simplesmente à cega libertação de energia dos pés-de-poeira.
Para a música produzida pelas fanfarras em suas passeatas carnavalescas isso
queria dizer que não havia mais qualquer compromisso com o repertório ora
marcial, ora foclórico herdado do século XIX, e os metais podiam enfim explodir
em colcheias e semicolcheias nas introduções que desenhavam uma melodia marcada
por síncopas, enquanto o ritmo, desprezando as medidas de tempo, produzia a
ginga visivelmente inspirada nas desarticulações do corpo dos dançarinos
entregues à loucura do passo."
Ou seja, o povo criou o frevo e o povo o libertou
das amarras iniciais. O frevo sempre foi do povo. E, passo a passo, a liberdade
do passo foi sendo inventada, ordenada e consentida. O frevo sempre foi
liberdade.
Falo do frevo de rua, é claro, e dentro das concepções do crítico e estudioso
paulista. As opiniões de Tinhorão estão no livro Pequena história da música popular (Ed. Vozes, Petrópolis, 1974,
pág. 137/146). São interessantes e polêmicas quando trata de analisar as outras
modalidades do frevo (frevo-canção e frevo-de-bloco)...
Portanto, agora, quando novamente se aproxima o
carnaval, vale a pena lembrarmos do ritmo autenticamente pernambucano.
Por enquanto, porém, falemos da invenção e das
evoluções do frevo de rua, o frevo que encantou Tinhorão.
O resto virá depois. (CC)