quinta-feira, 29 de maio de 2014

PROFISSÃO: REPÓRTER – CASOS E PERIPÉCIAS

CHICO VIEIRA: COMPETÊNCIA E HUMOR CEARENSE


Joaquim Macedo Júnior

(POR JOAQUIM MACEDO JÚNIOR) Até 1983, a rádio Excelsior limitava-se a cobrir o carnaval tradicional de São Paulo – escolas de samba na avenida Tiradentes (não havia o sambódromo), um posto fixo em Santos e São Vicente (Ilha Porchat, e seus escandalosos  bailes), além das informações sobre a circulação de turistas pela Baixada Santista e flashes da festa no Rio de Janeiro.

Naquele ano, nosso diretor de jornalismo, Izidro Barioni, programou uma cobertura mais ampla, com flashes diretamente de Salvador – os trios já estavam “bombando”. Neste caso, foi feito acordo com uma rádio da Bahia, que se encarregava de enviar boletins diários. Com um projeto por mim apresentado e o próprio conhecimento que tinha do carnaval de Pernambuco, fui enviado como “repórter especial” ao Recife para cobrir o Carnaval do frevo, do bloco lírico, do maracatu, dos caboclinhos, e também, claro, o de Olinda. Fui para mostrar o carnaval de todos os sons, ritmos e cores – fui para apresentar aos neófitos onde se fazia o “melhor carnaval do mundo”. Era minha chance, não poderia desperdiçar.

O “Galo da Madrugada” estava em seu 5º ano de fundação. Fui uma semana antes e só voltei no domingo depois do carnaval. Fazia “entradas” de 5 a 8 vezes ao dia – algumas eram repetidas em horários diferentes (a tal lógica da audiência rotativa do rádio). Desde a segunda-feira da semana pré-carnavalesca começara a enviar meus boletins, ora secos – só com relatos da programação e a agenda do que se esperava, os grandes momentos dos carnavais do Recife e de Olinda. Em outros, entrava, cumprimentava o locutor, “soltava” a matéria e colocava alguns áudios para ilustração.

Logo em um dos primeiros dias, ligo para Central Técnica da Rádio (Excelsior/Globo), pronto para passar o boletim. Era horário do principal jornal “Ouça”, logo de manhã, com Heródoto Barbeiro na ancoragem, além de locutores e comentaristas.

- “Alô Central, alô central. É o Macedo, vamos entrar com um boletim no jornal?”

(Voz na central) – “OK, vamos lá, quanto tempo tem? Quer ir ao vivo ou vamos gravar”.

“Não, vamos ao vivo, assim se o Heródoto quiser perguntar alguma coisa, eu estou por aqui, fica mais bonito”.

(Voz da Central) – “OK,  vamos testar” (é praxe).

Como era uma prática corriqueira, eu nem sabia quem estava do outro lado, entre os mil botões e os outros colegas prontos para entrar no ar.

Lá vou eu (ensaio rápido: “Bom dia……………..ainda nesta segunda-feira, a troça carnavalesca Pitombeiras dos Quatro Cantos fez um dos seus últimos ensaios gerais antes da apresentação no carnaval deste ano. Pitombeiras é uma troça, que tem no Clube de Frevo Elefantes, de Olinda a sua grande rival…. (e depois da fala, pus a gravação por meio de fita cassete acoplada ao telefone, que era o que tínhamos na época, procedimento que raramente dava problemas).

(Voz da Central) – “Mas que porcaria é essa?”

- “Como porcaria?”, pergunto já com voz de poucos amigos.

(Voz da Central)  – “Está muito ruim esse som, o que é isso?”.

- “Você está falando da qualidade técnica ou da música em si”, já perdendo as estribeiras.

Sozinho, numa cobertura destas, você é o produtor, o repórter e o operador de som e fica, de fato, com um montão de tarefas.

(Voz da Central) – “Desse som acelerado, batido e sem graça?”

- “Quem é que está falando, por favor”, já no limite da paciência.

(Voz da Central) – “Quem está falando é Rosan, por quê?” – Aqui cabe um pano rápido:   Rosan Camilo Bento estava em início de carreira, era e é uma figura doce, que jamais falaria com tanta veemência sobre o som/música, como fez aquela voz.

“Rosan”,  estás com a voz diferente, rapaz. Não gostou do frevo, não, foi?” – disse eu.

(Voz da Central) – “É estou achando isso muito esquisito. Eu pensei que ia entrar um sambinha ou uma marchinha”.

- “Aqui é Pernambuco, Rosan. O jornalismo me mandou para cá exatamente para que eu mostrasse a diferença dos ritmos, uma cobertura nacional, entendeu?”

(Voz da Central) “É, mas está uma porcaria”.

“OK” – cedi. Meu amigo, eu vou colocar uma música mais tradicional, mas quero deixar claro que quem avalia se o boletim está bom ou não sou eu, você cuida da parte técnica e da qualidade de som, isso não posso discutir. Mas se a qualidade está boa, o conteúdo é meu, entendeu?”. Já fervendo o sangue.

Ao voltar, nos encontramos no corredor e o próprio Chico fez questão de se entregar, já que tinha ido cobrar do Rosan, que, como fiel escudeiro, não entregou o chefe.

Eu e Chico demos muitas gargalhadas e, não contente, o cearense ainda perguntou “onde você arranjou aquele negócio?”, dando a entender que realmente não conhecia ou não gostava mesmo de frevo.

Fiquei calado e sai de fininho, como alvo de mais uma presepada de Chico Vieira, sério, duro, firme, brabo, mas doce, sensível, bacana, uma pessoa boa em todos os sentidos.

Em conversas de botequim, Rosan me detalhou, depois, que, há muito tempo, eles dois não davam tanta risada juntos, quanto naquele dia, principalmente por causa da minha agonia e indignação, a 2,3 mil km de distância.



3 comentários:

  1. Este "causo" é muito engraçado mesmo.......Este Senhor foi incrível......
    Adorei o relato.

    ResponderExcluir
  2. O Chico Vieira sempre dava patadas no telefone e era doce no tête-à-tête. Acho que era para desestabilizar os novatos. Se passassem no teste, pronto, estavam jornalistas para o resto da vida, já que a labuta na rua não é moleza não.

    ResponderExcluir
  3. Puo, Celsinho, você acaba de me tirar um dilema existencial de mais de 30 anos. Quase pedi arrego. Valeu, compadre. Boa sua reflexão.

    ResponderExcluir