sexta-feira, 23 de maio de 2014

BRUNO NEGROMONTE

LETÍCIA SCARPA - ENTREVISTA EXCLUSIVA
Com mais de 20 anos de estrada, Letícia Scarpa mostra-se uma profissional inquieta, procurando aplicar as suas aptidões naquilo que acredita, sempre pautando-se na excelência. Ela é o tipo de profissional que se joga de corpo e alma em seus projetos, dando o melhor de si naquilo que faz, e com esse novo desafio não seria diferente. A artista, que já atuou em telenovela, locuções, passando pelo cinema e também na apresentação de programas de tv (atividades estas que puderam ser conferidas na pauta publicada aqui mesmo neste espaço a duas semanas atrás sob o título " CONTEMPORANEIDADE E TRADIÇÃO FUNDEM-SE EM "LÊ", ÁLBUM DE ESTREIA DE LETÍCIA SCARPA") vem atualmente mostrando o seu primeiro disco lançado ao longo do segundo semestre de 2011. Batizado de "Lê", este trabalho mostra as novas habilidades dessa multifacetada mulher, dentre as quais o seu lado compositora, que aparece em 11 das 12 faixas existentes no trabalho. O resultado dessa nova aventura não poderia ser melhor, Letícia tem tido ótima receptividade tanto da crítica especializada quanto do público e a prova disto se dá através de alguns acontecimentos relevantes dentre os quais a pré-seleção ao Prêmio da Música Brasileira (maior premiação da música brasileira) e a execução de algumas faixas executadas em programas de rádio norte-americanos. De maneira atenciosamente como sempre, a artista concedeu esta entrevista exclusiva para os leitores do Blog do Lando. E nesse bate-papo ela conta, dentre outras coisas, sobre a escolha do repertório do disco, sobre a sua receptividade as novas experiências profissionais e fala também um pouco sobre sua pretensão de cair na estrada com o repertório do disco como vocês podem conferir a seguir.
Como se deu o seu envolvimento com a música? É algo inato que vem da infância sob influência de alguém da família ou não?
Letícia Scarpa - Meus pais sempre gostaram de música e a música sempre esteve muito presente em minha vida desde menina. Ouvíamos muita música, dos mais variados estilos. E eu gostava não só de ouvir, de cantar junto também. Mas não posso dizer que o meu envolvimento profissional com a música, ou até com as artes, seja por influência direta de alguém da família, pois não há ninguém que tenha se profissionalizado nessa área. Fui descobrindo a possibilidade de fazer música aos poucos, estudando e abrindo caminhos em minha vida para que ela pudesse acontecer de outra forma.
Quem acompanhou a pauta referente ao lançamento desse seu trabalho de estreia percebeu que você tem um extenso currículo no meio artístico nessas duas décadas de carreira. Apesar de você ter passado dentre outras experiências por aulas de canto, percepção musical, harmonia, improvisação, arranjo e composição porque só resolveu se aventurar no canto agora?
LS - Vejo a aventura de cantar como um movimento natural da minha carreira artística. O canto é mais uma maneira de me expressar que experimento agora. Como atriz, cantei profissionalmente algumas vezes, como quando participei de um espetáculo musical ou em gravações de histórias infantis. Eram situações específicas, nas quais o canto complementava minha atuação, quem cantava era o personagem. Em função do meu trabalho, sempre investi em aulas de canto como um complemento à minha formação. Estudei com Nancy Miranda, Vivi Keller, Mara Melges, Paulo Brito, e fui aos poucos descobrindo a Letícia cantora. A ideia de gravar um CD era para mim um daqueles sonhos de criança que você acha que nunca vai realizar, e foi aos poucos criando forma. Mas no início achava que gravaria um CD como intérprete, não pensava em compor. Então, há algum tempo, senti necessidade de me aprofundar no conhecimento da música e parti para um curso mais completo. Descobri então a Letícia compositora e cantar acabou sendo consequência.
Na sonoridade do álbum, evidenciam-se de certo modo, as suas raízes pernambucanas em "Zumbaiá", faixa do disco que se aproxima dos ritmos nordestinos e que conta com a participação do ator, cantor e dançarino Antônio Carlos Nóbrega. Como surgiu a ideia desse convite e a participação desse múltiplo artista?
LS - Minhas raízes estão plantadas em muitos cantos. Costumo falar que tenho o sangue “puro brasileiro”, ou seja, uma mistura total. E é claro que isso acaba aparecendo na música que faço. Meu pai é pernambucano, e a Zumbaiá traz forte influência dos ritmos nordestinos. Isso ficou ainda mais claro com a participação do Antônio Nóbrega, um dos muitos presentes que recebi neste trabalho. Conheci o Nóbrega há mais de 20 anos, quando ele estava se instalando no espaço que ocupa hoje na Vila Madalena, aqui em São Paulo, o Brincante. Eu estava terminando o curso de Arquitetura na USP e, a convite de um professor, acompanhei e registrei todo o processo de “nascimento” daquele espaço, que foi tema do meu trabalho de graduação. Quando o arranjo da Zumbaiá foi se delineando e o baião foi se mostrando, o Edu Maranhão (com quem produzi o CD) e eu pensamos em convidar o Nóbrega, não só pelo ritmo nordestino, mas também, como estava fazendo um CD autoral, por ele fazer parte de um pedaço da minha história pessoal.
“Lê” é um disco essencialmente autoral. Só não se faz por inteiro por conta da canção “Temporal”, que é uma composição do Edu Maranhão. Como se deu a escolha dessa faixa especificamente?
LS - Temporal é uma música muito especial para mim. É uma daquelas que eu queria ter feito. Foi “paixão à primeira audição”. Muito antes de eu começar a trabalhar no CD, o Edu tocou a Temporal para mim e eu me encantei imediatamente. Tocou minha alma. Assim que ele terminou de tocar eu disse que queria ser a primeira a gravá-la. Quando estávamos escolhendo as músicas para o CD, mesmo sendo a única canção que eu não assino como compositora, nem cogitei deixar de fora. Minha relação com esta canção é tamanha que, curiosamente, certa vez, o Edu Maranhão disse para alguém que ela era também parceria nossa, mas não é.
O título do disco nos remete não só a abreviação do seu nome, mas também sugere uma espécie de convite à leitura. Leitura esta que deve se dar de maneira auditiva e sensitiva. Como se deu a escolha do título do álbum?
LS - Como todo trabalho autoral, até a escolha do título foi um processo. Muitos artistas usam só o próprio nome como título num primeiro trabalho, mas eu queria que o título do meu CD dissesse algo mais sobre o trabalho. Chegamos a pensar em usar o nome de uma das canções, mas acabamos optando por LÊ pela múltipla possibilidade de interpretação. É um convite à leitura dos textos, já que muitas das canções que componho vêm de poemas que escrevo, e também à leitura da música como um todo através dos outros sentidos, além, claro, da referência ao meu nome.
As suas experiências anteriores tanto na televisão quanto no teatro como atriz e apresentadora e locutora foram valiosas até que ponto pra emoldurar Letícia Scarpa enquanto cantora?
LS - Muito. As linguagens do teatro, da televisão e do áudio, como atriz, locutora ou cantora, são muito diferentes, mas ao mesmo tempo têm muitas intersecções. E as experiências que tive nas outras áreas fazem parte do meu repertório pessoal de possibilidades artísticas. Sem dúvida esse repertório se faz presente na hora de cantar, não tem como ser diferente. E acredito que ele enriqueça e amplie as possibilidades da Letícia cantora.
O seu lado “ourives” também se faz presente no momento em que você compõe ou restringem-se ao momento em que está a serviço da hl6?
LS -  Pra mim é tudo uma coisa só. Música, jóias, teatro, TV... Mudam as formas, mas tudo é expressão, são maneiras de eu interagir com o mundo, explorando os sentidos, investigando, questionando, experimentando, ousando... Meu olhar estético permeia tudo isso procurando fugir de regras ou pretensões. Na HL6 eu desenho e faço jóias como pequenas esculturas de usar. Componho e faço arranjos musicais como quem constrói uma jóia ou um personagem. E por aí vai... O lado bom de passear por tantas formas de expressão é que eu posso ir me libertando dos vícios e regras de cada uma delas, o que acaba trazendo um certo frescor ao que faço.
Na elaboração do álbum dois nomes figuram com um certo destaque: Edu Maranhão e Michele Wankenne. Você poderia nos dizer de que modo surgiram essas profícuas parcerias?
LS - O Edu Maranhão foi figura chave na elaboração deste trabalho. É meu parceiro de composição e com ele fiz os arranjos e a produção do CD. Além disso, toca vários instrumentos. Ele é muito talentoso. Ouvi o trabalho do Rodrigo Del Arc, que ele havia produzido e gostei muito. Então, convidei-o para produzir o meu CD. Começamos a compor e foi um belo encontro, temos muitas afinidades artísticas e em alguns aspectos somos complementares. Isso traz grande fluência para o nosso trabalho juntos e ao mesmo tempo amplia os olhares sobre o que estamos fazendo. A Michele Wankenne é outra parceira muito querida e talentosa. Um dia, conversando, surgiu a idéia de tentarmos compor juntas. Nosso trabalho fluiu muito bem desde o primeiro encontro e seguimos compondo. Acho que as parcerias são assim mesmo. Se tiver que ser, é e pronto.
Como têm sido receber notícias como a que seu álbum de estreia está entre os pré-selecionados para o maior prêmio da música popular brasileira e faz parte dos playlist do programa "Som do Brasil - O melhor da Música Brasileira de Todos os Tempos", na rádio WKCR 89,9 FM de Nova York?
LS -  Tenho recebido muitos presentes maravilhosos com este trabalho. Estes são alguns deles... Fiz o CD por uma necessidade artística pessoal, é um trabalho independente, sem direcionamentos comerciais. Então, fico muito feliz de ver este “filho” ganhando mundo e sendo reconhecido. Saber da pré-seleção para o Prêmio da Música Brasileira foi uma grande surpresa para mim e uma alegria enorme. Tocar em Nova York e na Bélgica em programas de MPB, ao lado dos grandes nomes da nossa música, que foram e são referência para mim e para o meu trabalho, é uma grande honra. Também é muito bom ouvir comentários bacanas, tanto de profissionais da música como dos ouvintes, e saber que as pessoas estão curtindo meu álbum. Tudo isso me incentiva a continuar querendo fazer música cada vez melhor.
Há pretensões em cair na estrada com este álbum de estreia ou as atividades exercidas paralelamente impossibilitam a princípio esse desejo?
LS -  A adaptação deste trabalho para palco é mais uma empreitada criativa do tamanho ou até maior que a de produzir o CD, pois o álbum foi construído sem a preocupação com o formato, as possibilidades e as limitações de um show. Escolhemos o que achávamos mais adequado para os arranjos de cada canção. Utilizamos uma grande variedade de instrumentos para a construção dos diferentes ritmos. Para fazer o show da forma que eu gostaria teria que ter mais disponibilidade e deixar de lado as outras atividades, pelo menos por um tempo, o que para mim é inviável neste momento. E também já estou trabalhando nas composições e na elaboração de um próximo projeto de gravação enquanto divulgo este trabalho. Tudo isso faz com que meu desejo de colocar o LÊ no palco tenha que esperar um pouco, por enquanto.

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