O ENSINO DA GRAMÁTICA
Você está triste?
Não sei. Talvez.
Tristeza dá câncer,
sabia?
Pensei que dava
verruga no nariz.
Estou falando sério.
Ultimamente você vive
falando sério.
Quando eu brincava
você reclamava.
Nem tanto ao mar nem
tanto à terra.
Você colocou vírgula
depois de mar.
Estou falando, não
estou escrevendo.
Mas na sua fala tinha
uma vírgula depois de mar?
Não. Você está fazendo
uma análise sintática e morfológica da frase?
Na frase há o uso da
figura de sintaxe chamada elipse.
Chega. É por coisas
assim que eu não quero mais viver com você.
Porque eu sei
gramática e você não?
Entre outras coisas.
Não gosta mais de
foder comigo?
Usarei uma elipse
aqui. Ou melhor, uma zeugma.
Zeugma é um
substantivo masculino.
Um zeugma, então.
Significando?
Que é fácil
subentender.
Subentender por que
você não gosta mais de foder comigo?
Precisamente. Pensa.
Estou pensando e não
consigo.
Pensa em nós dois na
cama.
Você sempre se
manifesta pomposamente na hora do orgasmo.
Pomposamente? Explica.
Exibição de
magnificência sensual. Mímica.
Mímica?
Mímica. Muito
bem-feita.
Vou fazer as malas.
Diga: já vai tarde.
Já vai tarde.
E esses olhos úmidos
de lágrimas?
Mímica.
Acho que vou ficar
mais um pouco.
Um pouco?
Uns dias.
Dias?
Pensando bem, uns
meses. Mas você me ensina gramática durante esse tempo.
Então deixa de ficar
triste.
Tenho uma razão. Já
estou com câncer.
Jura?
Juro. Pulmão. O
cigarro.
Meu amor, vou cuidar
de você.
Mas antes me ensina
gramática.
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