terça-feira, 13 de maio de 2014

CLÓVIS CAMPÊLO

ABSURDO FUTEBOL CLUBE




Embora diante dos absurdos do mundo o poeta tenha dito que nada mais justificaria o uso do sinal de exclamação, todos nós nos assombramos e emitimos interjeições de espanto com a morte trágica do torcedor ao final do jogo entre o Santa Cruz e o Paraná. Que impulso estranho e fatal o teria levado a sair de casa no intervalo de uma partida que não envolvia o clube do seu coração para um encontro com a morte, em uma noite de chuva intensa na cidade do Recife?

Segundo a imprensa, como recomendou a polícia, a torcida do Santa Cruz foi a primeira ao deixar o estádio ao término da partida. Só meia hora depois é que a torcida do adversário visitante foi liberada. Mesmo assim, algum espírito maligno ousou se ocultar em um dos banheiros do estádio para praticar o ato assassino. Como explicar essa sanha mortífera em um simples jogo de um campeonato brasileiro da Série B? São indagações interrogativas que insistem em nos inquietar a mente.

Se o Estatuto do Torcedor fosse mesmo levado à sério, o Estádio do Arruda (e talvez nenhum outro do Estado, com exceção da Arena Pernambuco) não teria condições de ser liberado para nenhuma competição. Mas, tanto nos campeonatos estadual, regional e no brasileiro foi vistoriado pelas entidades competentes e liberado para receber o público. Isso nos leva ao entendimento de que os interesses políticos e comerciais prevalecem diante das questões que garantam a segurança dos torcedores.

Uma falsa questão e que serviu apenas para causar impacto midiático e impressionar foi a proibição da venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Não se bebe nos estádios, mas bebe-se nos seus entornos, muito embora não me pareça que essa seja a causa dos desvarios. Pois se a bebida, que é uma droga permitida e que rende lucros e renda aos clubes e ao Estado não é permitida, a maconha e talvez outras drogas até mais perigosas são consumidas livremente nas arquibancadas. Não vejo nenhuma atitude coibitiva ou mesmo de represália em relação a esse uso. Com certeza, o louco sanguinário que arremessou o vaso do alto das arquibancadas para atingir as pessoas que estavam na rua, não podia estar em seu estado normal de lucidez.

O futebol hoje está inserido no contexto da indústria do entretenimento. Muito dinheiro rola diante de eventos que mexem com o equilíbrio emocional dos torcedores. A própria Copa do Mundo é um evento de bilhões de dólares que não pode ser interrompida ou prejudicada por fatores extrínsecos. A paixão clubística, em muitos momentos, é estimulada de forma irracional e irresponsável. Todos sabem da força social e econômica que o futebol representada no mundo atual. No entanto, transformar tudo isso em mais um motivo para estimular-se a violência é absurdo.

As pessoas que estão na minha faixa etária, lembram com saudade dos tempos em que podíamos frequentar os estádios sem a necessidade de dividir-se as torcidas. É preciso que se faça uma análise sincera e profunda para ver a partir de onde houve a transformação maligna que transformou o esporte bretão em um campo de guerra e de mortes.

Recife, 2014




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