sexta-feira, 9 de maio de 2014

DA PENHA

Há dias, ela andava assim: de um lado pro outro, pisando duro, insuportável, batendo panela, derrubando escovão, chutando o cachorro, imprecando contra todos, menos contra Deus, pia que é. Quem suporta tanta indiferença de seu homem?

Pensou em dar um fim na vida – na dela, na de Alceu também. Só não pensou em dar fim na vida do louro. Testemunha ocular, ele que relatasse ao delegado a tragédia em detalhes. Estariam todos mortos. Dane-se.

Abandonou o plano amalucado. Fez bem. É o que se espera de uma temente a Deus.

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Naquela noite, Da Penha tomou banho demorado, cheiroso. Esperou Alceu. Nua. Sob o lençol, igualmente cheiroso.

E nada de Alceu.

Dormiu.

Quando acordou, madrugada alta, Da Penha encontrou Alceu ressonando no sofá. De roupa e tudo. Bêbado, babado.

Cínico, o papagaio falou o que Alceu lhe ensinara, em troca de mimos:

- Alceu trabalha demais. Alceu está cansado. Alceo estressou.

Os piores pensamentos voltaram. Mato o papagaio? Mato Alceu? Mato os dois?

Pia, Da Penha não matou ninguém. Juntou as poucas roupas, fez a mala e se foi.


  

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