Há dias, ela andava assim: de um lado pro outro,
pisando duro, insuportável, batendo panela, derrubando escovão, chutando o
cachorro, imprecando contra todos, menos contra Deus, pia que é. Quem suporta
tanta indiferença de seu homem?
Pensou em dar um fim na vida – na dela, na de Alceu
também. Só não pensou em dar fim na vida do louro. Testemunha ocular, ele que
relatasse ao delegado a tragédia em detalhes. Estariam todos mortos. Dane-se.
Abandonou o plano amalucado. Fez bem. É o que se
espera de uma temente a Deus.
Naquela noite, Da Penha tomou banho demorado,
cheiroso. Esperou Alceu. Nua. Sob o lençol, igualmente cheiroso.
E nada de Alceu.
Dormiu.
Quando acordou, madrugada alta, Da Penha encontrou
Alceu ressonando no sofá. De roupa e tudo. Bêbado, babado.
Cínico, o papagaio falou o que Alceu lhe ensinara,
em troca de mimos:
- Alceu trabalha demais. Alceu está cansado. Alceo
estressou.
Os piores pensamentos voltaram. Mato o papagaio?
Mato Alceu? Mato os dois?
Pia, Da Penha não matou ninguém. Juntou as poucas roupas,
fez a mala e se foi.
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