CRISE DE SENSATEZ
Não resta dúvida de que o universo, por suas dimensões, está para além
da compreensão humana.
É possível que o que vou dizer nesta crônica espante o leitor como
espantou a mim, ao pensá-lo. É que nunca o pensara antes, nem supunha que tal
pensamento me ocorresse um dia, a sério. Foi o seguinte: pensei que é melhor
ser louco que sensato, como sou.
Refiro-me ao louco de fato, não estou usando de metáfora, como quando se
diz "Fulano é loucão". Nada disso, falo do cara que ouve vozes e
acredita que o porteiro do prédio sequestra meninas, mata-as, cozinha-as em
grandes panelas que tem em sua casa e as come. Refiro-me ao sujeito que é
pirado mesmo, necessitando de internações e remédios. Doido varrido.
Mas por que isso, por que achar que ser doido é melhor do que ser
normal? Simplesmente porque o doido inventa a existência como lhe apraz, sem
dar bola para o que nós outros chamamos de realidade.
Não é só isso, porém, ou melhor, isso não é o principal motivo de minha
opção preferindo a loucura à normalidade. A razão mesmo é que a visão dita
normal não explica a realidade, irredutível a ela.
Por exemplo, alguém é capaz de dizer por que existe o mundo em vez de
nada? Ninguém sabe a resposta a essa pergunta. E outra: houve um tempo em que
nada existia, antes de haver o universo? É impossível imaginar um tempo em que
nada existia. Ou seja, a sensatez não explica a existência e muito menos a não
existência.
Veja bem, essas perguntas são feitas por gente sensata, ou seja, quem as
formula é quem pretende reduzir a existência do mundo a explicações objetivas e
compreensíveis. Quem não quer entender, não faz perguntas. Isto é, só os
sensatos as fazem; os loucos, não. Se fazem algumas perguntas, são outras,
insensatas, e as respostas que encontram são mais loucas ainda.
"Por que
achar que ser doido é melhor do que ser normal?
Simplesmente
porque o doido inventa a existência como lhe apraz,
sem
dar bola para o que nós outros chamamos de realidade"
Não consigo impedir que certas perguntas me perturbem. Por exemplo, o
sistema solar mais próximo da Terra está a uma distância de 4,3 anos-luz, ou
seja, a distância que a luz percorre à velocidade de 300 mil quilômetros por
segundo. Como nenhuma nave pode viajar à velocidade da luz, porque se
desintegraria, viraria luz, jamais algum habitante da Terra poderá chegar
àquele sistema solar. Mesmo que viajasse a 300 mil quilômetros por hora,
levaria séculos para chegar lá. O que dizer dos sóis que estão a 1 milhão ou 2
milhões de anos-luz? Ou seja, o universo existe apenas para ser contemplado por
nós, de longe.
Mas é o de menos. Pensa só nisto: o nosso sistema solar, com todos os
planetas que o constituem, e os satélites e tudo o mais, equivale a 2% da massa
total do Sol, que é uma estrela de quinta grandeza; quer dizer, não é das
maiores.
Só na Via Láctea, há bilhões de outros sóis e, no universo, há bilhões
de galáxias infinitamente maiores que a Via Láctea, com bilhões e bilhões de
sóis. Dá para entender isso? Pode alguém achar que a mente humana é capaz de
explicar um troço como esse, que excede toda e qualquer possibilidade de
abranger e compreender? Não resta dúvida de que o universo, por suas
incomensuráveis dimensões, está para além da compreensão humana. Concorda
comigo ou não? Claro que concorda. Se não concorda, o doido é você.
Mas, tudo bem, esqueça as galáxias e me explica a existência desta
pequenina aranha que surgiu presa ao filtro de parede na minha cozinha. Ela é
minúscula e sua teia tão tênue que nem sequer consigo vê-la. Só sei que a teia
existe porque a aranha não poderia estar suspensa no ar sem nada em que se
apoiasse.
A aranha não é igual à barata nem ao rato, já que, além do mais, são
maiores que ela, têm outra forma e não produzem teia, que, quase invisível, é
uma armadilha mortal para os insetos. Foi a aranha quem bolou essa armadilha,
quem a inventou? Se não foi ela, quem foi então? Não me diga que foi Deus,
porque essa é a resposta que facilmente explica tudo.
A verdade é que não dá para entender, a existência não tem explicação, e
o que não tem explicação é absurdo. Absurdo para quem, sensato como eu, quer
entendê-la.
Já o louco não busca explicações sensatas. Inventa alguma tão absurda
quanto o próprio universo. Enfim, a existência é a existência, não precisa de
lógica. E é, por isso mesmo, maravilhosa.
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