AH, É?
(ministórias)
01
Domingo inteiro em pijama, coça o
umbigo. Diverte-se com os pequenos anúncios. Em sossego na poltrona, entende as
borbulhas do gelo no copo de bebida. Uma velhice tranqüila, regando suas malvas
à janela, em manga de camisa. Única dúvida: ganhará o concurso de palavras
cruzadas?
02
Rataplã é o gato siamês. Olho todo
azul. Magro de tão libidinoso. Pior que
um piá de mão no bolso. Vive no colo, se esfrega e ronrona.
— Você não acredita. Se eu ralho, sai
lágrima azul daquele olho.
Hora de sua volta do colégio, ele
trepa na cadeira e salta na janela. Ali
à espera, batendo o rabinho na vidraça.
Doente incurável. O veterinário
propõe sacrificá-lo. A moça deita-o no colo. Ela mesma enfia a agulha na
patinha. E ficam se olhando até o último suspiro nos seus braços. Nem quando o
pai se foi ela sentiu tanto.
03
Ao tirar a calcinha, ele rasga. Puxa com força e rasga. Vai por cima. Ó mãezinha, e agora? Com falta de ar,
afogueada, lavada de suor. Reza que
fique por isso mesmo.
Chorando, suando, tremendo, o coração
tosse no joelho. Ele a beija da cabeça ao pé — mil asas de borboleta à flor da
pele. O medo já não é tanto. Ainda bem só aquilo. Perdido nas voltas de sua coxa, beija o
umbiguinho.
Deita-se sobre ela — e entra nela. Que
dá um berro de agonia: o cigarro aceso na palma da mão. Mas você pára? Nem ele.
04
Só de vê-la — ó doçura do quindim se
derretendo sem morder — o arrepio lancinante no céu da boca.
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