UM NOVO ESTILO DE VIDA
Às vezes me sinto como um caramujo com uma casa
gigante nas costas. Quero ser mais prático e simples
Por Walcyr Carrasco
Época digital – 12/05/2017
Jantei com uma amiga famosa: a atriz e jornalista Marília Gabriela.
De uns anos para cá, ela mudou radicalmente o estilo de vida. Já não compra
roupas como antes, a não ser eventualmente uma peça que lhe chame bastante a
atenção. Vendeu o apartamento em Nova York e a casa em Campos do Jordão. Em
trabalho, só faz aquilo que gosta, que lhe é visceral. Atualmente faz a peça Constelações, de Nick Payne, com o ator
Caco Ciocler, no teatro Tucarena, em São Paulo. Gabi, como é conhecida, já teve
uma ofuscante vida social. A mudança, hoje, não é devida a problemas
financeiros. Ela vai muito bem, obrigada. Mas a uma nova postura de vida. Não
se trata de uma vida espartana. Mas da busca da felicidade fora do consumismo.
Li recentemente uma reportagem, na revista GQ americana, em que o jornalista
Sean Hotchkiss conta que teve um encontro de uma noite, após uns drinques. De
manhã, ela pareceu estranha. Perguntou por quê. A resposta:
– Como você tem mais roupas que qualquer garota que eu conheço? E
nenhuma TV?!
Ela foi embora, deixando uma estranha sensação. O rapaz observou seu
closet gigante. Iniciou uma transformação. Gosta de ser fashion e mantém isso.
Mas com menos. Vendeu e doou roupas antigas. Passou a usar só preto, cinza,
branco e azul. Assim, todas as peças combinam. Finalmente... mudou-se para um
apartamento sem closet! Eu também sinto essa necessidade de restringir. Há anos
criei uma necessidade feroz de comprar roupas. Até recentemente, eu era o
delírio dos vendedores. Bastava eu entrar na loja, e já comemoravam. Iam bater
a meta.
O mais estranho nesse tipo de comportamento é acreditar inteiramente
no vendedor, como se aos olhos dele eu me transformasse no Brad Pitt! Ao provar
a peça, ele sempre me dirá:
– Ficou ótimo.
Mesmo que me engorde!
Quando a fatura do meu cartão de crédito bateu nas alturas, resolvi
fazer algo a respeito (e nunca vou parecer o Brad Pitt, ok?). Optei por um
tratamento com um coach (um tipo de
consultor pessoal) para diminuir meu impulso consumista. Resultado
surpreendente. Após algumas sessões com a Madalena, minha coach, algo mudou. No final do ano, fui comprar camiseta e bermuda
brancas para o Réveillon. Entrei numa loja de uma das grifes que mais gosto. Só
na volta, percebi: não me interessara pelos casacos e outras peças. Havia me
concentrado na camiseta. E parei de consumir de forma devastadora. Até hoje
vendedores me convidam para “tomar um café”. Respondo que estou tentando zerar
meu cartão de crédito. Insistem:
– Só um café...
Estratégia. Tenho meus problemas psicológicos, meus traumas. Mas
minha carência não chega a tanto. Não confundo tentativa de venda com amizade.
Um grande amigo que também é vendedor costumava, entre mensagens normais, enviar
fotos das peças novas, pelas quais eu podia me interessar. Pedi:
– Agora você vai decidir se é meu amigo ou está trabalhando. Se o
interesse é pessoal, pare de enviar fotos de roupas!
“É um novo estilo de vida, em expansão. Resume-se
a uma simples frase: ter menos, para possuir mais”
Essas percepções e atitudes estão me ajudando a economizar bastante.
Ainda não resolvi a questão dos livros. Sou voraz. Compro mais do que leio.
Chegarei lá, já comecei a fazer belas doações a bibliotecas. Uma delas fica
numa comunidade paulistana. Já levou caixas e caixas de livros.
Para que tanto, afinal?
Às vezes me sinto como um caramujo carregando uma casa gigantesca
nas costas. Há uma questão de status. Quando se começa a buscar menos, as
pessoas acham que se está em má situação financeira. E daí? Não estou em crise.
Mas se estivesse não seria vergonha nenhuma. Daqui a pouco seleciono meus
casacos e vendo pela internet. Ou doo. Ser prático e simples, eis a questão.
A pioneira dessa atitude de vida foi Danuza Leão, que além de
escritora exerceu inúmeras atividades, todas com sucesso. Ainda lembro que em
um de seus livros aconselhava a servir a mesa com copos diferentes. Óbvio. É
quase impossível ter um jogo de taças em que uma não quebre, outra não lasque.
Melhor assumir e misturar, do que gastar grana na caça de mais outro e outro.
Como simplificar a vida é uma bandeira nos livros de Danuza.
Um amigo meu, suíço, Pierre, produtor de cinema, mudou-se para um
apartamento de dois quartos. Poderia viver em lugar bem maior. Simplesmente,
assim é mais prático para cuidar.
– Eu vivo com o necessário.
É um novo estilo de vida, em expansão. Resume-se a uma simples
frase: ter menos, para possuir mais.
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MORRO ABAIXO: Bons tempos aqueles de sobe e desce ladeira.
Na pior idade, a mão é única.
Por Orlando Silveira, em "Rapidíssimas". No blog.
http://orlandosilveira1956.blogspot.com.br/2017/05/rapidissimas.html#comment-form
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