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O DIABO E A POLÍTICA
Por Carlos Heitor Cony
Folha Online – 29/11/2005
Sempre que leio os jornais, lembro uma historinha que nem sei mais
quem me contou. Naquela aldeia, todos roubavam de todos, matava-se,
fornicava-se, jurava-se em falso, todos caluniavam todos. Horrorizado com os
baixos costumes, o frade da aldeia resolveu dar o fora, pegou as sandálias, o
bordão e se mandou.
Pouco adiante, já fora dos muros da aldeia, encontrou o Diabo
encostado numa árvore, chapéu de palha cobrindo seus chifres. Tomava água de
coco por um canudinho, na mais completa sombra e água fresca desde que se
revoltara contra o Senhor, no início dos tempos.
O frade ficou admirado e interpelou o Diabo:
- O que está fazendo aí nesta boa vida? Eu sempre pensei que você
estaria lá na aldeia, infernizando a vida dos outros. Tudo de ruim que anda por
lá era obra sua - assim eu pensava até agora. Vejo que estava enganado. Você
não quer nada com o trabalho. Além de Diabo, você é um vagabundo!
Sem pressa, acabando de tomar o seu coco pelo canudinho, o Diabo
olhou para o frade com pena:
- Para quê? Trabalho desde o início dos tempos para desgraçar os
homens e confesso que ando cansado. Mas não tinha outro jeito. Obrigação é
obrigação, sempre procurei dar conta do recado. Mas agora, lá na aldeia, o
pessoal resolveu se politizar. É partido pra lá, partido pra cá, todos têm
razão, denúncias, inquéritos, invocam a ética, a transparência, é um
pega-pra-capar generalizado, eu estava sobrando, não precisavam mais de mim
para serem o que são, viverem no inferno em que vivem.
Jogou o coco fora e botou um charuto na boca. Não precisou de
fósforo, bastou dar uma baforada e de suas entranhas saiu o fogo que acendeu o
charuto:
- Tem sido assim em todas as aldeias. Quando entra a política eu dou
o fora, não precisam mais de mim.
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