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NOVO DICIONÁRIO AMOROSO
O novo vocabulário amoroso é rarefeito como uma nuvem.
Busco uma palavra, e seu significado é outro
WALCYR CARRASCO
Época digital 11/04/2017
Já não entendo mais nada. Sou do tempo em que “namorar” implicava
compromisso. “Noivar”, casamento à vista. “Casar” era casar mesmo, com votos na
igreja e papéis no cartório. Nestes dias encontrei uma amiga, que comunicou
feliz:
– Estou namorando.
– Que bom, conheceu alguém?
– Estamos morando juntos!
Pois é. Duas pessoas que namoram podem estar vivendo juntas. Ou só
saindo. Bem, pode ser com sexo ou sem sexo. Há pessoas religiosas que só
acreditam em sexo depois do casamento. Mas para a maioria no namoro pode haver
sexo. Só que uma coisa não significa exatamente o que se pensa. Vem um dos dois
e define.
– É uma amizade:
Alguns ainda usam “amizade colorida”. Amizade teoricamente implica
não existência de sexo. Mas também pode significar que os dois saem juntos, se
gostam, vão para a cama, mas não pretendem ter um compromisso formal. Um casal
na mesma situação também pode dizer que está “namorando”. Ou...
– Casei – contou um amigo.
– Puxa, não me convidou para a festa?
– Que festa? Eu só quis dizer que a gente está muito ligado. Cada um
na sua casa.
Casar pode ser simplesmente o antigo namorar. Uma relação com um
certo compromisso, só. Muitos pares, entretanto, resolvem se casar. Terminou a
lua de mel, vai cada um para sua casa.
– A gente prefere não morar junto – explicou uma amiga, há seis anos
nessa situação. Cada um tem seu espaço, sua liberdade.
Casar pode significar separar, embora os dois continuem juntos. Deu
para entender? Não. Ok, porque isso é com eles mesmos.
Num relacionamento em que ambos têm relação sexual, mas não vivem
juntos, a mulher seria definida como “amásia”. Uiii... há termos que emboloram!
É terrivelmente sexista essa palavra. A própria Justiça tornou-se flexível
nesse campo: relação estável, o que é exatamente? Depende de cada situação. Um
casal que não viva junto, mas onde um dependa do outro, por um certo período
variável de tempo, pode ser considerado como uma relação estável, com direitos
adquiridos. Ou não. Ninguém diz que está numa relação estável. Usam indiscriminadamente
namoro, casamento, amizade. Se alguém disser que sicrana é noiva de fulano,
pode ser que tenham se conhecido numa festa na semana passada.
Fica mais difícil ainda quando um amigo me diz:
– Nós ficamos.
Óbvio, o afeto em grau maior ou menor permeia
todas essas relações. A sensualidade também.
Mas há um termo que define a possibilidade
inequívoca de amor: um lance
O que é “ficar”, exatamente?
Pode ser beijar, numa balada. E nesse caso há garotas que “ficam”
com vários, fazendo do beijo quase uma brincadeira. Mas ficar pode ser ter ido
para a cama uma vez. Ou muitas. Já ouvi de amigo:
– Estamos ficando.
É um substituto para “namorando”. Ou implica “namorando com sexo”,
mas sem a intenção de compromisso. “Ficante” é um termo novo. Corresponde aos
antigos: amante, namorado ou amigo colorido. “Ficar” não implica
estabelecimento de laços. Em tese. Já vi dois “ficantes “ brigando por ciúmes.
Dessa forma, surgiu mais um novo termo: “peguete”. Trata-se de alguém com quem
se tem relações sexuais, eventualmente até com regularidade. Mas sem
compromisso algum, além do interesse sexual. Cada um “pega” o outro. Só que
pode “pegar” outros. O “peguete” seria o pré-ficante? Talvez não, porque há
ciúmes entre “peguetes”. Embora o termo sirva para dizer que não há relação
afetiva, só sexo. “Pegar”, aliás, tornou-se a grande palavra do momento. É
desejar ter sexo com alguém. Ou praticar.
Onde fica o sentimento?
Óbvio, o afeto em grau maior ou menor permeia todas essas relações.
A sensualidade também. Mas há um termo que define a possibilidade inequívoca de
amor: um lance.
– Eu e ela temos um lance.
Isso, porém, não quer dizer que exista alguma atitude prática, tipo
“ficar” ou “se pegar”. Pode acontecer entre dois pares casados. Encontram-se.
Olham-se. Sentem um “lance”. E fica por isso mesmo. O lance definiria o antigo
amor platônico. Ah, mas não, não! Também pode dizer que se agarraram atrás da
porta, na festa de casamento de um dos dois. Ou que se encontram sempre, saem
juntos... namoram. Mas namoro, namoro não é. Mais sutil. O novo vocabulário
amoroso é rarefeito como uma nuvem. Busco uma palavra, e seu significado é
outro. Ou quase esse. Só que as pessoas se entendem perfeitamente. Como? Eu não
sei. Só sei que vou falando. E tento acertar a palavra certa da próxima vez.
FOTO: DIVULGAÇÃO |
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