BAILE DA ILHA FISCAL (QUADRO: FRANSCISCO FIGUEIREDO) |
Gertrudes não tinha apenas pulgas atrás das orelhas. Mantinha, como
sempre fazia em ocasiões como a que se avizinhava, os dois pés atrás.
Entende-se. O marido João, em termos de gafe, é dono de longa folha corrida. Rara
a festa em que ele, tocado pela uca, não apronta das suas. Não foi sempre
assim, é certo. É coisa de uns vinte e poucos anos para cá – desde o tempo em que
passou a ignorar a valiosa (embora inútil) advertência do ministério da Saúde e
nunca mais bebeu com moderação.
Enquanto aguardava Gertrudes se arrumar, já vestido para a festança,
João entornou o possível. Fiel às tradições, queria chegar “no ponto”. Só assim
consegue ser o que julga ser: um sujeito engraçado, que faz todo mundo rir, a
quem parentes e amigos têm na coluna das presenças obrigatórias. Um sedutor, enfim.
De ilusão, dizem, também se vive, ainda mais quando o destilado dá uma rasteira
na capacidade de discernir.
Quando Gertrudes entrou na sala, o roteiro já tinha o final traçado.
-- Pelo amor de Deus! Veja se hoje se você comporta. Nós vamos na
formatura do Jaiminho, nada de piadas, sem gracinhas. É o primeiro médico da
família. Lá, só vai dar gente de bem: pai de doutor, mãe de doutor, avó de
doutor. Compreendeu, João? É baile para gente fina. Estou cansada de passar vergonha por sua causa.
Antes, punha panos quentes; agora, não mesmo. Quer ficar enchendo a cara?
Fique.
-- E eu sou de dar fora em festas?
-- Cínico. Ás vezes, acho que você não bate bem da cabeça.
-- Todo mundo ri das minhas brincadeiras, Gertrudes. Só você implica
com elas. Você vê maldade em tudo.
-- Está bom. Já lhe disse o que tinha para dizer. Não me faça passar
vergonha. Hoje, não. Pelo amor de Deus.
João foi a banheiro, retocou os fios de cabelo que lhe restavam,
ajeitou a camisa dentro das calças, fez gargarejo para amenizar o bafo. Respirou
fundo.
De volta à sala, João tinha na cabeça resposta para a pergunta inevitável
de Gertrudes, arma que nunca tivera coragem de usar:
-- Então, João, como estou? Não vai falar nada?
-- Você está bem, Gertrudes.
-- Puxa! Só isso?
-- Você está ótima, meu bem, mais emperiquitada que cachorra de madame. Não passará
despercebida. (OS - JAN/2017)
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