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COMO
LIDAR COM UM BÊBADO?
Já tentei
arrancar amigos de roubadas, enquanto dançavam,
bêbados e
sem noção. Aprendi: é melhor fugir
POR WALCYR
CARRASCO
ÉPOCA
DIGITAL – 27/10/2016 | 11h46
Nesta semana dei um jantar para amigos. Só seis
pessoas, para bater papo. Rir. Também exibir minhas qualidades culinárias,
embora atualmente eu não cozinhe muito. Amo culinária. E me comporto como um
chef malvado com minha funcionária, Sandra. Digo o que tem de fazer. E depois
agradeço os elogios, modestamente, como responsável por cada grãozinho de
arroz. Desta vez, um amigo trouxe outro, a quem não conhecia. Gentil, trouxe
uma garrafa de vinho. Agradeci. Outro trouxe chocolate, e quase devolvi. Todo
ser humano que vê as redes sociais sabe que vivo em perpétuo regime. Mas há
duas coisas que até meu melhor amigo gosta de fazer. Primeiro, dizer que estou
gordo. Depois, quando entro em regime, oferecer chocolates, bolos, doces e
acabar com minhas boas intenções magras. Com a frase:
– Uma vez só não tem importância.
Ódio! Enfim, voltando ao jantar. Separei três
garrafas de vinho. Confesso: levemente fora da validade. Acho tão espinhoso
esse tema da validade! É pior que taxas de colesterol. Vivem mudando prazos de
consumo e índices de saúde. Rapidamente, foram-se as três garrafas.
Considerando o jantar por terminado, ofereci vinho do Porto. Foi a garrafa
inteira. Percebi que o responsável era um só, o desconhecido. Virava as taças
como se fossem de água. Foram todos fumar no terraço. Uma tábua estalou. Ele
acusou outro convidado, que tem uma prótese de titânio na perna.
– É o peso da sua prótese!
Seguiu-se uma longa discussão sobre a
possibilidade de roubar a prótese e vender o titânio a peso. O da prótese se escondeu
na sala. Mantive um sorriso simpático enquanto imaginava as várias maneiras de
botar o bêbado para fora de casa, dentro das normas de etiqueta. Mas há
etiqueta para bêbados? Aí ele me chamou para a cozinha.
– Tem mais vinho?
Quis disfarçar. Disse que tinha separado só as
garrafas do jantar. As outras estavam trancadas num lugar, do qual eu não tinha
a chave. Mentira rasgada. Aparentemente ele acreditou. Mas lá estava, diante de
nós, a garrafa que ele próprio havia trazido.
– Posso abrir o que você trouxe – ofereci.
Ele aceitou imediatamente. Tentei não achar o
abridor. Rapidamente ele abriu as gavetas da cozinha e encontrou. Encheu a
própria taça. Ninguém mais estava bebendo, portanto ele deu conta sozinho.
Tenho várias caveiras em casa, obras de arte na verdade. Talvez irritado com
minha cara de paisagem, ele atacou.
– Você gosta de caveiras, não é?
– Gosto, é uma tendência de arte contemporânea.
– Por isso você é igual a uma –
cumprimentou-me.
– Desculpe, mas você está olhando para um
espelho – respondi.
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Ele foi atacar o próximo. Suspirei. Quem bebe
demais gosta de dominar a situação. Os outros não conseguem conversar. Tenho
vários amigos assim. Bebem uns tragos a mais e fazem um discurso na mesa. Já vi
acontecer até em festa de trabalho. A funcionária dá um show, quase faz um
striptease e puxa a barba do presidente da empresa. Tudo bem, é festa. Mas isso
não vai contar, mais tarde, na carreira? Vai. Já tentei arrancar vários amigos
de roubadas, enquanto dançavam no chão, de joelhos. Aprendi. Melhor fugir. Quem
bebe demais fica incontrolável. Então, naquele jantar, diante de um bêbado sem
noção, desconhecido, que fazer? Chamei minha cachorra para brincar, na
esperança de que mordesse alguém. Para meu horror, ela adorou. E ainda
aproximou-se das tacinhas de vinho do Porto e lambeu os restos. Descobri que
minha husky siberiana tem tendências ao alcoolismo e também perde a noção,
porque fez xixi no tapete turco. A noite passava. Duas da manhã. Três. O que
deu carona queria ir embora. O outro não deixou, estava brincando com minhas
obras de arte como se fossem pedras de dominó. Tentávamos iniciar um assunto,
ele intervinha:
– Não é nada disso.
Já cuidei de alcoólatras. Convenci pessoas a
frequentar os Alcoólatras Anônimos. Mas é impossível lidar com um bêbado
eventual. O último foi um amigo que pegou carona comigo após um almoço regado a
vinho na Serra da Cantareira, em São Paulo. Com problemas na vida, falava
chorando e me abraçando, enquanto eu tentava segurar no volante para não
despencar serra abaixo.
Impossível lidar com um bêbado. Quem bebe
demais fica sem noção. Por isso gosto dos americanos. Quando chega a hora de
terminar, o anfitrião avisa:
– Estou indo dormir, chamo um táxi para vocês?
É isso. Só há um jeito de lidar com um bêbado
se você quer aproveitar a noite. Bota pra fora.
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Hoje, bem mais que ontem, entendo o dilema de Hamlet.
Afinal, sou ou não sou um palhaço?
Por Orlando Silveira, em Quase Histórias.
É por isso que evito encher a cara. Quando estou bêbado, fico sentimental e nostálgico, desando a falar em coisas que me deixariam desconfortável se estivesse são. E o pior, é bem possível que eu comece a chorar.
ResponderExcluirEstou procurando por crônicas. Acabo de criar um blog para praticar a escrita e, além de contos, quero me aventurar também nesse gênero tão gostoso de ler.
Este comentário foi removido pelo autor.
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