PINTURA: GUSTAVO ROSA |
CARA DE PALHAÇO, PINTA DE
PALHAÇO...
Os
que me conhecem pessoalmente sabem que as duas características acima citadas –
cara e pinta – eu tenho. Os que me conhecem apenas de ouvir falar desconfiam
que eu as tenha, desconfiança também crescente entre os que, por generosidade,
seguem meus escritos incertos.
Até onde a memória alcança não é de hoje que
tenho cara e pinta de palhaço. O que
desde sempre serviu para fincar nesse coração vadio uma dúvida: “Serei um
palhaço”? Foi uma tia quem plantou em mim – sem saber, claro – a semente da
desconfiança. Ela ria de tudo que eu falava, fazia ou ameaçava fazer. Dizia a
todos que eu era um, por assim dizer, garoto divertido, brincalhão, verdadeiro
palhaço. Eu não via na sua falação (seria elogio?) maldade alguma. Ao
contrário. Cheguei mesmo a pensar em abraçar a carreira. Desisti, por razões que,
agora, não vêm ao caso. Só lhes dou uma dica: quem nos garante que o leão é, de
fato, manso?
Adiante.
Nos
últimos tempos, tenho recebido de diversos amigos comentários exaltando meu
suposto bom humor. Falam isso, dizem aquilo e arrematam sem volteios: “Você é
um palhaço”. Não me ofendo, não. Muito pelo contrário. Sou lhes grato. Só
tamanha generosidade os leva a ver graça nas desgraças sem graça que conto e escrevo. Tais
afirmações (seriam elogios?) colocam novas pulgas atrás de minhas orelhas. E a
pergunta que não se cala volta à tona, revigorada: “Serei eu um palhaço?”
Hoje,
bem mais que ontem, entendo o dilema de Hamlet.
Agora,
há os que, em não sendo tão amigos assim, insinuam que não sou palhaço
profissional coisa nenhuma (também nunca lhes disse que era), que não passo de
um sujeito atoleimado, um basbaque amador. Tudo por que – dizem alguns,
insinuam outros – rio de mim mesmo, das topadas e tombos que levo: “Você é tão
divertido. Você é, é, é, você é um palhaço. Por que ri tanto de si próprio?” –
querem saber.
Ora,
a resposta é óbvia. O sujeito pode ter cara e pinta de palhaço, pode até ser
palhaço. O que não significa que seja tolo. Rio de meus tropeços, de meus
desacertos e medos – antes que os outros o façam de maneira estridente. Além
disso, ante os obstáculos, não importa o grau, a tristeza é sempre a pior
companhia. Ou não? (2013,
atualizada em 2017)
PALHAÇADA (CARA DE PALHAÇO)
DE HAROLDO BARBOSSA E LUIZ REIS
NA INTERPRETAÇÃO DE MILTINHO
EDIÇÃO DE MOACIR SILVEIRA
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