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A GAIOLA DOURADA DA POPULARIDADE
A questão da popularidade, porém, persegue os governantes
assim como os autores de novela perseguem o Ibope
POR MURILLO DE ARAGÃO
BLOG
DO NOBLAT
05/01/2017
- 01h25
Houve quem criticasse Nizan Guanaes
quando ele recomendou ao presidente Michel Temer aproveitar a sua
impopularidade para adotar medidas duras, a fim de restabelecer o equilíbrio
fiscal e promover a retomada do crescimento econômico. Eu estava a seu lado no
Conselhão quando ele fez a recomendação.
Em síntese, ele dizia que o
presidente deveria tratar de temas duros sem se preocupar em ser popular. A
declaração foi longe e gerou debate, mas Nizan estava coberto de razão. O
estado em que o Brasil se encontra demanda medidas que dificilmente serão
populares.
Ninguém acredita que uma Previdência
Social tecnicamente quebrada possa ser reformada sem dor. Muitos sabem que os
salários devem ser congelados e os benefícios cortados, conforme feito em
Portugal. A questão da popularidade, porém, persegue os governantes assim como
os autores de novela perseguem o Ibope.
O filósofo suíço Alain de Botton é de
uma sinceridade devastadora ao explicar a obsessão em querer ser popular,
buscar o elogio e o reconhecimento, querer agradar sempre. No Brasil rasteiro,
há quem considere a popularidade a medida do sucesso, em especial quando se
mistura espetáculo com política. Não importa como se consegue ser popular nem
em que circunstâncias.
Muitos acham que o presidente deve
ter a preocupação de agradar sempre por conta do ciclo eleitoral. Que deve
tomar medidas duras de início e guardar os agrados para o último ano e meio do
mandato, numa dinâmica que atende ao interesse eleitoral e não ao nacional.
A busca da popularidade extrapola o
limite dos mandatos. É o caso da antecipação de aumentos salariais pelo
governador que deixa o cargo para que sua decisão seja cumprida pelo governador
que acabou de ser eleito. Uma espécie de bomba-relógio para as finanças
públicas na ânsia de ser eleitoralmente popular.
Agradar deveria ser a última das
preocupações de um presidente. E sua popularidade deveria decorrer de uma
análise fria dos acontecimentos. Algo que jamais acontecerá, considerando a
profundidade de nosso entendimento sobre o cotidiano. Afinal, vivemos em um
país raso, onde quem explica também busca a popularidade.
Daí a espetacularização do
noticiário. As manchetes são movidas pelo espetáculo. As fotos de capa mostram
o detalhe do cabelo despenteado ou um leve roçar no nariz, de forma a forçar a
vista para o inusitado. Popularidade a qualquer preço.
“Dilma Rousseff, a mais incompetente presidente de nossa história,
foi, paradoxalmente, a presidente mais popular. No início de 2013,
bateu recordes de popularidade e aprovação”
Recorrentemente, vemos celebridades e
subcelebridades artísticas que, por conta de sua exposição, se acham no direito
de dar opinião sobre o que não conhecem. Surfam nas ondas baixas do senso comum
em busca de popularidade. Confirmam, usando o axioma “com certeza”, o que o
senso comum espera ser confirmado em círculo vicioso de intensa mediocridade.
O francês Michel Houellebecq, mesmo
sendo um dos mais respeitados escritores da atualidade, se diz escritor e não
intelectual. E afirma que não deve dar opinião sobre tudo. No Brasil rasteiro,
falta pudor às nossas celebridades e juízo aos comunicadores, que se encarregam
de propagar as besteiras ditas em favor da popularidade. Assassina-se,
diariamente, uma das maiores conquistas do século passado: a reflexividade.
Dilma Rousseff, a mais incompetente
presidente de nossa história, foi, paradoxalmente, a presidente mais popular.
No início de 2013, bateu recordes de popularidade e aprovação. Acabou
melancolicamente descartada no lixão político de nossa República. É uma prova
de que popularidade não é tudo e pode terminar mal, se não vier acompanhada de
decisões políticas consistentes.
Mesmo sendo uma armadilha terrível, a
busca pela popularidade é a tônica da nossa sociedade. Daí muitos não terem
entendido quando o grupo Los Hermanos desprezou a sua mais popular canção, “Ana
Júlia”. Eles queriam ir além da popularidade pop que a canção lhes trouxe. Se
não fizessem isso, teriam se transformado, certamente, em uma espécie de “one
hit wonder” nacional, como o Sylvinho, do “Ursinho Blau-Blau”.
Na explicação do fenômeno político,
as armadilhas são cotidianas. Seguir o “bom senso” ou o “senso comum” pode ser
o caminho para a popularidade. Mas não o caminho para o sucesso do analista.
Usar a indignação como ponto de ênfase para as explicações também é outro
atalho para a popularidade. Mas leva para longe a verdade dos fatos. Na
política, a indignação pode justificar, mas não explica.
O mais grave não é apenas o desejo
doentio do reconhecimento. É o fato de que a verdade deixou de fazer sentido.
São tempos de pós-verdade. Era de factoides. Fatos que parecem mas não são
verdades, assim como os julgamentos indignados sobre o porquê das coisas.
Quando Nizan, mago da publicidade e
celebridade internacional, recomendou que o presidente aproveitasse as
vantagens da impopularidade, machucou um dos objetivos mais caros da vida de
milhões: ser popular. Para a imensa maioria, a sugestão de Nizan é algo absolutamente
incompreensível. Neste momento, se formos medir o governo pela popularidade,
certamente estaremos aprofundando a vala comum de nosso fracasso coletivo.
MURILLO DE ARAGÃO É CIENTISTA POLÍTICO
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