ILUSTRAÇÃO: FRAGA |
A DURA VIDA DE EX-RICOS
O ex-rico tem vantagens que o povo comum não tem.
Sempre sobra um parente com casa à beira-mar
POR WALCYR CARRASCO
ÉPOCA
DIGITAL – 19/07/2016
Em um país como o nosso, onde
mudanças econômicas são tsunamis, fortunas vão e vêm. Quando adolescente,
conheci várias famílias que perderam tudo no café, em São Paulo. Lembro de um
palacete onde até os vidros eram importados da França. Vitrines repletas de
biscuits. Um dia fiquei para jantar. Serviram... uma espiga de milho cozida
para cada um! Juro. Já relatei o fato até em novelas. Surpreso, pensei: na casa do meu pai, ferroviário, ao
menos tinha arroz e feijão! Quando estive em Ilhéus, conheci uma família que
fez fortuna no auge do cacau. Uma das senhoras havia sido pianista e conhecido
personalidades da Semana de 22, em São Paulo. Havia um piano na sala e tentei
ser gentil:
– Toque para nós.
Desastre! O piano estava quebrado.
Ela tentou arrancar algum som. Não havia fundos nem para consertar o piano!
Uma nova casta de ex-ricos vai e vem.
É a dos executivos desempregados. Empresas contratam diretores a peso de ouro.
Em certo momento, ou quebram, ou são pegas pela Justiça, ou decidem renovar o
quadro. O diretor sai, próximo aos 60 anos. Tem um bom dinheiro. Título do
Paulistano, um dos clubes mais elegantes de São Paulo. Mora numa cobertura. Só
não se preocupou muito em formar renda, a vida era muito elegante para isso.
Cria uma empresa, em geral de importação e exportação. Como alto executivo,
está acostumado a uma estrutura. Aluga um andar. Contrata secretárias. Compra
móveis. Instala-se com elegância. Enquanto seu concorrente, que vem de baixo,
atende ele próprio o telefone e talvez trabalhe na mesa da cozinha da mãe. A
nova empresa não dá prejuízo. Vai para o escambau. O leão que antes comandava
centenas, milhares de funcionários, vai para casa, aguardar a mulher voltar do
cabeleireiro.
Mas é como vício. Há um amigo que
sempre diz:
– Dinheiro vicia mais rápido que
cocaína.
Hábitos são difíceis de perder.
Vendem um quadro, que a mulher herdou. Gastam para esquiar na Europa. Entram no
cheque especial para jantar fora, com amigos. Conheci a ex-CEO de uma
corporação. Nas compras, se gostava de um modelo, comprava um de cada cor.
Saiu. Achou que encontraria recolocação rápida. Dois anos depois, estava ela
mesma vendendo roupas feitas no porta-malas do carro. Um amigo, ex-rico,
estudou nos melhores colégios. Fala francês perfeitamente. O motor do carro,
blindado, fundiu. Só lhe resta usar o carro que o pai, ainda bem de vida,
comprou para os dias de rodízio. Modelo simples. Tem vergonha.
Ex-rico sente que a perda do dinheiro
é defeito pessoal. Talvez seus amigos ainda ricos pagassem os jantares. Mas
eles têm vergonha da situação! Começa o discurso.
– Quero uma vida mais simples, cansei
de sair!
– Não fui para a Europa neste ano
porque quero conhecer o Brasil.
Há vantagens, que o povo comum não
tem. Sempre sobra um parente com casa à beira-mar. Às vezes o próprio ex-rico
tem a sua, em um elegante refúgio campestre. Mas vender a casa como, na crise?
Às vezes não paga o condomínio do apartamento. Horror, horror, demite o
motorista. A própria ex-rica leva o cachorro para tomar banho. Diz que prefere,
mas ninguém acredita. Sobra o título do Paulistano. Malha na academia de lá.
Mas, após a malhação, não há dinheiro para um sanduíche! De repente, o
apartamento está para ir a leilão. O antigo superdiretor tenta um emprego mais
simples, com os bons amigos. Não consegue. Pela idade. Vem a explicação.
– Você tem qualificações demais.
Merece coisa melhor.
A empresa contrata um rapaz
promissor, de 30 anos. Enquanto isso, a ex-rica, mulher do ex-diretor, aprende
a fazer as unhas, com a filha. Uma tira a cutícula da outra. Economia até na
manicure!
Na atual crise, há ex-ricos em vários
momentos da curva. A maioria perderá até o apartamento em leilão por falta de
pagar o condomínio. Os mais rápidos se viram. Já vi o ex-presidente de uma
corporação virar taxista. Há os que alugam o apartamento. Mudam-se para o
interior ou para a casa de campo que sobrou. Aos amigos, explicam:
– Quero um estilo de vida mais
simples.
Ou seja, ir a pé até a padaria. É a
salvação. Dinheiro é mesmo como cocaína. Quem deseja conseguir abandonar o
vício monetário e o consumismo, que implica muitos pequenos caros hábitos, precisa
mudar de turma. Mudar para longe é a única saída. Voltar às raízes e ter a tal
vida simples. Mas o ex-rico só se convence quando raspou o tacho. E não sobrou
nem para um último gole de vinho francês.
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