sexta-feira, 31 de julho de 2015

BRUNO NEGROMONTE

GONZAGA LEAL - ENTREVISTA EXCLUSIVA

Com 40 anos de estrada, o artista vem apresentando "De mim", projeto que conta com a adesão de nomes como Marília Medalha e Jaime Alem
Chega uma hora em que há necessidade de mudança em nossas vidas. Desde os mais simplórios gestos até transformações que interferem de forma radical em nossa vida. No caso de Gonzaga Leal este momento chegou quando teve que optar por trilhar o caminho da música ou da dança e ele optou pela segunda alternativa. Hoje, com oito discos gravados (incluindo o EP "Aparição") Leal vem apresentando desde o início do ano "De mim", um álbum que apresenta diversas características que o destaca não apenas na carreira fonográfca do artista, mas também na cena musical como um todo. O disco é responsável por trazer novamente aos estúdios de gravação a cantora e compositora Marília Medalha assim como também por apresentar mais uma faceta do artista pernambucano: o seu lado compositor. Depois de protagonizar, aqui mesmo em nosso espaço, a pauta sob o título de "SOB A ÉGIDE DA VIOLA, GONZAGA LEAL ATEMPORALIZA-SE EM SINTONIA COM A SAUDADE", Gonzaga volta a este espaço para este bate-papo exclusivo onde fala sobre este novo projeto que vem recebendo elogiosas críticas Brasil afora, a sua relação com a cena musical de São Paulo e que virá em comemoração as quatro décadas de carreira que o artista comemorou em 2014. Vale a pena conferir. Boa leitura!
O ano passado foi um ano emblemático para você, afinal de contas completaram-se quarenta anos desde a sua primeira aparição profissional diante do público. O que você destacaria ao como relevante em sua carreira ao longo destas quatro décadas de estrada?
Gonzaga Leal - Sempre acho que o mais recente trabalho de um artista é o mais importante de uma trajetória, uma vez que ele representa um alcance definido por tudo que ele já produziu e passou. Para gravar esse novo disco, apoiando-me na sonoridade da viola brasileira e debruçando-me sobre um repertório baseado no tempo e na saudade, foi necessário olhar para trás e ver no passado um espelho do que venho produzindo e do que ainda pretendo fazer.
“De Mim” como o próprio título sugere vem arraigado de pessoalidade através de letras que poderíamos até afirmar tratar-se de confessional. Qual foi o principal desejo que o conduziu a registro com essas peculiaridades?
GL - Estava há quatro anos sem gravar, mesmo sendo incentivado e ativado no meu desejo pelos músicos que trabalham comigo já há algum tempo, mas, mesmo assim, não encontrava motivo algum que justificasse entrar em estúdio, pois gosto de gravar projetos, não canções apenas porque são lindas ou magníficas, isto não me atrai. 
Mas o tempo não brinca com ninguém, e aí que fui surpreendido por uma canção enviada por Públius. Ao ouví-la, fui tomado por um sentimento gigantesco, sobretudo de aproximação comigo mesmo. Naquele período havia completado 55 anos e a canção ativou em mim uma saudade de mim mesmo, de um Gonzaga que não é mais, mas se avizinhando de um novo tempo. A canção chama-se "Da Saudade". E assim, percebi de imediato que o projeto começava a nascer, projeto no qual iria cantar sobretudo o tempo e a saudade, e fazê-lo, com muito frescor e ausência de ressentimento.
A sonoridade do disco apresenta a viola de modo matricial. Há em suas reminiscências alguma razão ou motivo para torná-la o principal instrumento de um projeto que traz como características tanta pessoalidade
GL - Realmente, a viola é uma das principais protagonistas do projeto. Sou um homem do interior, e muito precocemente comecei a me familiarizar com o mistério e o enigma do som das violas. Sem falar no fato que o meu diretor musical, Cláudio Moura, é um magnífico violeiro, que extrai poesia pura do som do seu instrumento. A junção desses dois fatos foi o grande lance para suscitar em mim o desejo de ter comigo outros violeiros de gerações diferentes para fazerem parte do projeto, a exemplo do Jaime Alem, Hugo Lins e Juliano Holanda, cujas violas têm afinações diferentes umas das outras.
Nestas últimas duas décadas a cantora e compositora Marília Medalha mantém-se afastada dos estúdios. Acredito que essa participação em “De Mim” venha a ser o seu único registro fonográfico até então ao longo deste século. Como se deu o convite para que a Marília viesse a participar do álbum e quais os argumentos que acabaram por convencê-la a tais participações?
GL - É um enorme privilégio tê-la neste projeto. Realmente a Marília hoje vive um tanto quanto reclusa, mas não avessa a realizar trabalhos que a entusiasme. Somos grandes amigos, já fizemos alguns trabalhos juntos e temos muito interesse pelo repertório de canções de domínio público. Quando formulei o convite e, encaminhando o reisado “A deusa da lua”, percebi de imediato o seu interesse e alegria em vir à recife, cidade que ela tanto gosta, fazer a gravação. Naquele momento, me senti premiado. Foi tudo emocionante e lindo.
Uma característica presente em seus projetos é a valorização ao texto da canção. Suas interpretações são carregadas por muita verdade e “De Mim” parece trazer essa característica de modo muito mais arraigado inclusive a partir de peculiaridades antes não existentes como a inserção de “Sonho imaginoso” (primeira composição de sua lavra que aqui ganha seu registro). Você pretende a partir de então dar continuidade a registros de sua autoria?
GL - Realmente não me considero um cantor. Estou muito distante, interessa-me cada vez mais aguçar em mim o intérprete que habita-me. Por isso, deixo-me tanto perseguir pela palavra. A palavra, pra mim, é de uma força inimaginável, tanto no que diz respeito a sua força, complexidade e simplicidade. Preciso sentir-me emoldurado pela palavra para dar sentido ao meu canto. Com relação à "Sonho Imaginoso" (Gonzaga Leal - Guito Argolo - J. Velloso), a ideia partiu de J. Velloso, que gostou de um texto confessional que escrevi e achou que poderia virar canção. Então consultou-me e eu, sem titubear, dei todo o aval para que ele pudesse editar o texto e convidar pessoa da sua confiança para inserir melodia. Foi quando ele trouxe o Guito Argolo para cuidar de musicar o texto. Adorei de verdade e combinamos que quem primeiro gravasse um cd, convidaria o outro para dividir os vocais. Isso não quer dizer que sou um compositor. Não sou, pois sou o mais crítico de mim mesmo. Foi um feliz e fecundo acaso.
A sua ligação com a cena musical paulista faz-se bastante perceptível ao longo dos seus projetos fonográficos (com exceção dos álbuns tributos a Nelson Ferreira e Capiba). Essa aproximação deu-se de modo intencional ou foi algo espontâneo?
GL - São Paulo é uma cidade que adoro, onde tenho grandes amigos das mais variadas linguagens artísticas. Gosto de trabalhar em São Paulo, sobretudo com os paulistas. A minha conversação sobre música mais profunda e consistente com São Paulo acontece exatamente no álbum "Minha Adoração - um tributo a Nelson Ferreira", quando, a meu convite, Zé Miguel Wisnik colocou versos na valsa azul, de Nelson Ferreira. Isso foi um passo para, através do Zé Miguel, conhecer o Luiz Tatit que, no meu cd "Gonzaga Leal cantando Capiba, ...e sentirás o meu cuidado", vestiu o choro "Relembrando Nazareth", de Capiba, com seus lindos versos. Essa ponte foi determinante para todas as demais conversações que tive e continuo tendo (e que muito me interessa!!!) Com São Paulo.
A capital pernambucana já teve a oportunidade de receber o espetáculo referente ao álbum “De Mim” por duas vezes. A primeira, em janeiro, na estreia da turnê e posteriormente em abril. Você tem recebido elogiosas matérias da crítica especializada em todas as regiões do país. Já existe uma agenda fechada em relação a turnê do álbum para o segundo semestre?
GL - Estou muito orgulhoso e agradecido pela forma como a imprensa brasileira tem recebido o meu trabalho. Isso é o máximo para qualquer artista. Nesse aspecto também me sinto um privilegiado. Adoro fazer o show do disco por tudo que o envolve e o emoldura: os músicos, os diretores (musical e cênico), o cenário, a luz, o repertório e toda a cumplicidade das pessoas envolvidas. Temos uma turnê prevista, mas a depender da aprovação do funcultura por esses dias. É um show caro, que envolve uma equipe de pelo menos 15 pessoas. Adoraria que o projeto fosse aprovado para termos a oportunidade de sair pelo Brasil. Sem isso, se torna praticamente impossível, pois não me contento em apresentar um trabalho pela metade. Não é justo que se ampute uma equipe e uma estética para viabilizar viagens. Nisto sou muito rigoroso e não faço concessões.
Você é um dos artistas que mais subiu ao palco do Teatro de Santa Isabel. Em relação a esse feito você nos trouxe em tom confessional aqui mesmo neste espaço que arquitetava um projeto pautado em piano e voz cujo título a princípio seria “Teatro – Na boca de cena nasci”. De janeiro de 2012 (época da primeira entrevista) aos dias atuais a que pé anda o projeto? Quando esse desejo tomará forma?
GL - O teatro e a minha casa são os lugares onde mais me sinto confortável e seguro. É como se fossem um templo que me remete inevitavelmente ao sagrado. O Teatro de Santa Isabel, em especial, faz muito sentido na minha vida, não só artística mas de espectador, foi lá que lancei todos os meus cd's, realizei outros tantos shows e presenciei espetáculos memoráveis. Tenho um apreço muito grande por esse lugar. Tornei-me amigo de grande parte de seus diretores e nutro amizade também pela maioria de seus funcionários. Por isso, acho-me com essa dívida de fazer um cd que possa homenageá-lo, sobretudo agora que ele completa 160 anos. Portanto, o projeto na boca de cena nasci, de voz e piano, com repertório de trilhas de peças de teatro, continua sendo o meu grande sonho e desejo. Espero realizá-lo em breve. Estou indo atrás. Um detalhe desse projeto é que os pianistas serão aqueles todos que tive a felicidade de trabalhar, a exemplo de Zé Gomes, Francis Hime, Marco Caneca, George Aragão, Cida Moreira, Zé Miguel Wisnik e Eliana Caldas.
Por falar em Santa Isabel “De Mim” foi o único projeto que não teve seu lançamento no palco do tradicional teatro. Há pretensão de levar o espetáculo a este teatro que é considerado o templo maior da cultura pernambucana?
GL - A estreia desse show em um teatro que já vinha tendo um grande namoro: o Teatro Capiba. Num acordo conjunto entre músicos, equipe e diretores, tomamos essa decisão de estrear num teatro menor, onde pudéssemos estar numa relação mais próxima com o público, coisa que o repertório e a sonoridade do show, de uma certa forma, exigem. Foi tudo lindo e surpreendente, sobretudo porque estreamos dentro do projeto janeiro de grandes espetáculos. Mas acredito que, até o final de ano, estaremos levando o show para o teatro de Santa Isabel, para o contentamento ficar completo. Claro que o show sofrerá algumas adaptações, especialmente no plano cenográfico e de iluminação.
Neste ano você está chegando aos 40 anos de estrada qual o balanço que você faz desse percurso? Esta comemoração se estenderá aos palcos?
GL - Esse aniversário me dá uma noção mais apurada da minha responsabilidade e do meu compromisso com todos os que me acompanham ao longo de todos esses anos e com essa cidade que tanto me abraça e me prestigia. Imagine um jovem que chega do interior na cidade sem conhecer ninguém e, pouco a pouco, vai construindo uma rede de amizades férteis que me impulsionam a ser artista. É a sensação exata de ter obtido régua e compasso. E claro que a melhor forma e contrapartida para com todos, é através do que posso emocioná-los e presenteá-los com meu singelo canto e o meu fazer artístico. Tendo sempre o palco como um nobre parceiro. Uma coisa que realmente adoraria em termos de comemoração de uma data redonda, é construir uma cartografia interpretativa a partir da revisitação todo o meu repertório de shows. Nos dias atuais, isso se torna praticamente impossível. Mas não custa nada sonhar, não é?
Com tantos anos de estrada e primorosos registros fonográficos não seria a hora já de cogitar a possibilidade de um projeto áudio-visual? Já pensou na possibilidade de um registro em DVD?
GL - Sinceramente, esse desejo já esteve mais aguçado. Hoje não tenho mais tanta motivação e interesse em fazer um registro em dvd. Mas, se eu o fizer, interessa-me fazer algo bem simples com uma moldura cenográfica e uma luz muito poética, em preto e branco, em um estúdio de gravação. Jamais realizar um show para transformá-lo em dvd. Esse formato não me interessa. Por enquanto as coisas mais imediatas são continuar fazendo o show "De mim"; o projeto chamado concerto de assobios, que pretendo estrear ainda esse ano na companhia da atriz Ceronha Pontes e dois músicos (um violeiro e um percussionista). É um recital baseado na poesia do poeta Manoel de Barros e canções da tradição oral brasileira, que juntos formam uma dramaturgia. Estamos todos felizes, por estarmos embalados por tanta lindeza contida na poesia e nas canções. Por fim, continuarei empenhado em viabilizar o projeto na boca de cena nasci, mesmo porque ele já tem um tempinho de pendência. Na minha vida não sou afeito a pendências. 
Quero te agradecer, Bruno, por esta nobre oportunidade que mais uma vez você me concede. É sempre muito bom, para qualquer artista, dar uma entrevista para uma pessoa que conhece do seu trabalho e se interessa pelo artista. E nesse aspecto, tenho o maior prazer de responder quantas perguntas me chegarem. É assim que me sinto: agradecido e prestigiado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário