sexta-feira, 24 de julho de 2015

BRUNO NEGROMONTE

SOB A ÉGIDE DA VIOLA, GONZAGA LEAL ATEMPORALIZA-SE EM SINTONIA COM A SAUDADE
Em 1993 chegava às lojas de todo o Brasil mais um álbum do cantor e compositor carioca Chico Buarque cujo uma das faixas, intitulada "tempo e artista", descrevia a relação entre a arte e o constante movimento dos ponteiros. Em dado momento da terceira faixa do disco que é considerado, pela crítica especializada, como o melhor disco do artista ao longo da década de 1990, Chico entoa versos como "(...) Imagino o artista num anfiteatro... Onde o tempo é a grande estrela (...) " ou "(...) Já vestindo a pele do artista... O tempo arrebata-lhe a garganta (...)" entre outras frases que hoje, mais de duas décadas após o lançamento, substanciam de maneira bastante vivaz este novo projeto do produtor, cantor (e agora compositor) Gonzaga Leal. Nascido no sertão pernambucano, mais precisamente em Serra Talhada, o artista que foi aluno do Conservatório Pernambucano de Música (onde estudou técnica e teoria musical) vem desenvolvendo um trabalho bastante coerente desde a sua estreia no mercado fonográfico em 2000 com o título "O olhar brasileiro". Desde então vem desenvolvendo os mais diversos trabalhos ao lado de alguns dos principais nomes da cena musical pernambucana e nacional. Com mais de 30 anos de carreira, Leal traz uma vasta bagagem antes mesmo do seu debute em disco, somando relevantes parcerias nos palcos de todo o país assim como também fora deles. Após dar início a sua seleta discografia as parcerias aumentaram qualificamente, enumerando registros ao lado de nomes como Naná Vasconcelos, Francis e Olivia Hime, Alaíde Costa, Ná Ozetti entre outros; e neste oitavo álbum intitulado "De mim" o contexto, além de contemplativo e confessional, não destoando dos anteriores, trazendo para esta celebração a viola como protagonista e a saudade como enredo maior. 
Tendo o tempo como tema recorrente, as quinze canções presentes apresenta um intérprete imbuído de muita pessoalidade. Prova disto é "Da saudade" (Públius), canção considerada o cerne deste projeto é que chegou as mãos de Gonzaga quando ele encontrava-se na Europa sentindo falta do seu torrão, amigos entre outras coisas. Já em "Água serenada" (Déa Trancoso) e "Arco do tempo" (Paulo César Pinheiro) por exemplo, a condescendência do artista ao seu tempo biológico se dá através de frases como "Eu não canto do jeito que eu já cantei... Bebi água serenada, até a voz eu mudei" ou "Em qualquer ponto do tempo... Eu passo e finco meu marco...". O tempo ainda chega em duo com Cida Moreira através da canção "A janela da casa do tempo" (Públius e Xico Bizerra). Do carioca Mário Travassos gravou "Palavra doce" (gravada originalmente em forma de samba-canção pelo cantor Mário Reis em 1960 e agora ganha adornos de música caribenha). Vale observar nesta faixa o quanto se assemelham os timbres entre os dois intérpretes. Da cena musical paulista o pernambucano pincelou nomes como Virgínia Rosa ("Vou na vida" parceria com Swamy Jr.); Luiz Tatit e Fabio Tagliaferri (que assinam "Show"); o disco ainda conta com outros nomes conhecidos pelo grande público como Adriana Calcanhoto e Altay Veloso que assinam, respectivamente, as faixas "Você disse não lembrar" e "Canção de adeus". A faixa "Vôo cego" (Lula e Yuri Queiroga) conta com Marília Medalha, que volta aos estúdios de gravações depois de anos afastada. A cantora e compositora ainda participa da canção de domínio público "Deusa da Lua", que foi adaptada pelo próprio Leal. Outra faixa assinada por Gonzaga (ao lado de J. Velloso e Guito Argolo) é "Sonho imaginoso", canção que busca retratar toda a afabilidade que o artista busca através das mais diversas minúcias. Outras faixas presentes são "Calmaria" (J. Velloso), "Colarzinho de pedra azul" (Junio Barreto), Sina de passarinho" (Bruno Lins, Manoel Filó e Tonzinho), "Ainda bem que eu trouxe a viola" (Juliano Holanda) e "Que falem de mim" (Bidú Reis) lançada pela saudosa Ademilde Fonseca, nos idos anos de 1959.
"De mim" conta com as participações especiais de nomes como Jaime Alem e J. Velloso (além dos talentosos conterrâneosJuliano Holanda e Públius) tem o design gráfico assinado por Tânia Avanzi e a direção fotográfica de Helder Ferrer e do próprio Leal. É válido também o registro de que o disco foi gravado, mixado e masterizado nos estúdios Musak e Carranca (ambos em Recife) sob produção musical, direção musical e regência de Cláudio Moura. A Concepção, o repertório e a direção artística ficou a cargo do próprio artista com arranjos dos músicos Adilson Bandeira, Mauricio Cezar, Nilson Lopes e Marcos FM. Dentre os responsáveis pela tessitura do disco a ficha técnica conta, entre outros, com nomes como Daniel Coimbra (cavaquinho), Caca Barreto (contrabaixo acústico), Julio Cesar (acordeon), Ricardo Freitas (bateria), Adilson Bandeira (sax soprano, clarinete e clarone), Hugo Lins (viola dinâmica), Rafael Marques (bandolim), Fabiano Menezes (violoncelo), Mauricio Cezar (piano), Alex Sobreira (violão 7 cordas), Breno Lira (guitarra semiacústica) e nas percussões Lucas dos Prazeres, George Rocha e Tomás Melo, elencando de modo substancioso este disco nada prosaico e que nasceu quando um Gonzaga reflexivo e saudoso encontrava-se longe de sua terra deixando-se dominar pelo irrevogável desejo de voltar as suas origens.
Mesmo que tempo, como diria o poeta, com seu lápis impreciso ponha-lhe rugas ao redor da boca como contrapesos de um sorriso; Gonzaga Leal sabe serenamente aliar-se a ele, deixando-lhe que o mesmo componha seu destino sem nunca deixar de adequar-se condescendente a esse inexorável contexto. Resoluto, Leal traz a prova documental que ele tem o seu próprio tempo e este parece estar longe das formais convenções. Em seu agora o artista pernambucano abarca, de modo sereno e astucioso, o futuro e o passado. Sua arte não delimita-se e nem faz concessões e procura trazer impregnada em sua gênese a mais profunda verdade acompanhado por um rigor estético que vem do seu âmago e que agora apresenta-se de modo mais intenso como pode-se observar em "De mim", um projeto que suplantou desejos maiores e fez com que a impulsividade do agora aliasse-se de modo reflexivo as mais diversas reminiscências. Astuto, Gonzaga sabe como contemplar a saudade adequando-se serenamente ao tresloucado tic-tac do relógio, permitindo-se a pertinente e propícia condição para a atemporalidade. Senhor do seu tempo Gonzaga Leal consegue imergir em cada segundo e dele tirar o seu melhor através da sapiência e disciplina, adjetivos que só ele, o tempo, é capaz de nos trazer. Nos percalços do passar das horas talvez haja avarias, no entanto o artista mostra que ao nos permitir, de modo complacente, encarar a frenética ampulheta do tempo tudo se atenua.
Aos amigos leitores seguem duas canções. A primeira trata-se de "Água serenada", de autoria da mineira Déa Trancoso. A faixa conta com citação de "Vou na Vida" (Swamy Jr./ Virgínea Rosa) e conta com arranjo e viola de 10 cordas de Jaime Alem:
A segunda faixa trata-se de uma composição do pernambucano Juliano Holanda. "Ainda Bem Que Hoje Eu Trouxe A Viola" conta com os vocais do autor, de Gonzaga Leal e Públius, artista da nova cena musical pernambucana:

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