Verdade
seja dita: ao longo da vida, Tonico jamais escondeu sua condição de agnóstico. Lá
pelos vinte e tantos anos, envolvia-se em discussões infindáveis e rudes com aqueles que
se confessavam religiosos, tinha paciência zero com todos os adeptos de quaisquer
santos. Lá pelos quarenta e poucos anos, começou a mudar, já não entrava em polêmicas,
dava de ombros, deixava pra lá, sorriso superior nos lábios. Que cada pessoa acreditasse
no que bem entendesse – desde que não lhe aporrinhasse com cantilenas,
evidentemente.
Aos
sessenta, a mulher de Tonico saiu de casa, foi morar com um dos filhos, que,
aliás, nunca vinham visitá-lo, mesmo antes da mudança da mãe. Tonico recuperou
a ira dos vinte e tantos anos. Tentou driblar a solidão, a catarata e os
problemas cardíaco-pulmonares com doses generosas de destilados. À noite, em casa,
passava horas olhando o revólver que jamais usara. Um dia, vestiu-se com certo
esmero, lustrou os sapatos e saiu.
Zanzou
um bocado pelas ruas do bairro. Entornou paratis, engoliu qualquer salgadinho para
driblar a fome inexistente e, finalmente, sentou-se num banco em frente à
igreja. Ali ficou por bom tempo, vendo o nada passar. Depois, olhou para um
lado, para outro. Certificou-se de que nas redondezas não havia conhecido
algum. Então, ele entrou na igreja vazia. Fez o sinal da cruz. Ajoelhou-se. E
pediu a Deus que aumentasse sua fé miúda. (Fevereiro/2016 -OS)
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Palavras do Velho Marinheiro: "Essa minha dentadura nova machucou no começo, mas agora ficou maravilha. Posso comer de tudo. E vou comer e beber enquanto puder, com alegria. Quando não der mais, paciência, eu tomo sopa..." Por Orlando Silveira
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