quinta-feira, 10 de agosto de 2017

CRÔNICA: WALCYR CARRASCO

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EREMILDO, O IDIOTA, FEZ ESCOLA

OS TIPOS DO INSTAGRAM

Tenho simpatia especial pelos escritores da internet.
Toda noite, escrevo um microconto

Por Walcyr Carrasco
Época Digital
08/08/2017 - 08h00

Há um vasto painel de tipos humanos espalhado pelo Instagram. Amores, emoções íntimas, viagens, tudo isso é exposto na internet. Ter um número elevado de seguidores ou de likes é uma vitória. Não sei exatamente de que tipo, mas é assim que as pessoas se sentem: vitoriosas. Ao contrário do que todos pensam, o Instagram não revela a vida como ela é. Como diria @paulocoelho, cada um trata de exacerbar o que seria sua lenda pessoal. Melhor dizendo: a ficção que construiu sobre a própria vida. Atores e atrizes, por exemplo, colocam fotos glamourosas, com fundos lindíssimos. Ninguém bota foto espirrando, com cara de gripe. Mas famoso não espirra?

Boa parte são fotos patrocinadas. Sutilmente, mostra-se algum produto. É um post pago. Trabalho. Manter um número crescente de fãs significa aumentar o saldo bancário. Dá-lhe glamour!

Numa categoria imediatamente abaixo estão os musculosos. Famosos somente no Instagram. Postam fotos na academia, fazendo musculação. Tirando a camiseta na praia. Imagens de sucesso, embora boa parte esteja matando cachorro a grito. Usam os posts para conseguir academia e suplementos gratuitos. Muitos, no Rio de Janeiro e em cidades praianas, vêm da periferia, de ônibus. Basta uma sunga para abrirem a cauda de pavão. E têm seguidores, alguns na casa do milhão! Opa! Mulheres também, mas são mais ousadas. Embora o Instagram não permita, muitas conseguem exercer a mais antiga profissão do mundo. E têm ajuda tecnológica: recentemente, o perfil do meu sobrinho de 18 anos foi invadido por hackers. Uma multidão de prostitutas russas, falando em russo, começou a se oferecer por ali. Pode!? Recuperar o domínio foi difícil...

Alguns perfis demonstram uma vocação incrível para guias turísticos. Bastou fazer a mala, antes de viajar, já publicam foto. Um está no Central Park em Nova York e precisa anunciar isso para a humanidade. No Google há fotos muito melhores do Central Park, claro. Ou do David de Michelangelo. Qual compulsão leva alguém a fotografar o David sem nem posar na frente? Ou um pedaço de torta que comeu na França? Ou se mostrar numa lancha? O mais divertido é que os viajantes voltam a sua cidade, mas continuam postando os cliques da viagem o resto do ano, como se ainda estivessem em algum outro lugar do mundo.

Qual é o mistério de @selenafox? É uma celebridade do mundo alternativo. Pratica a wicca, que procura reviver com louvor o mundo da magia celta. São fotos com a natureza, rituais. Muitos likes. Como ela, outros mostram suas crenças. Ou arte. Há muitos que mostram desenhos apocalípticos, de que gosto muito. Mais radicais, outros exibem tatuagens, as mais inventivas, e provavelmente dolorosas – mas esse grupo não está de certa forma associado aos que exibem a musculatura? Tudo é exibição, afinal. Ou as patricinhas que se clicam com as roupas da moda. As mais sofisticadas. Ganham um dinheirão postando bolsas, sapatos. Nas últimas semanas de moda tiveram tratamento de primeiras-damas fashion. Outros, como @gabrielapugliesi e @erasmomtb, provam que a vida é um deleite. Muitos hotéis paradisíacos. Uma dieta para manter seus belos corpos. São ícones dos que se dedicam a estilo de vida. Não necessariamente o que podem ter, mas aquele que desejam.

Tenho simpatia especial pelos escritores da internet como @neologismos, @zackmagiezzi, @homemquesente, @brunorazzec, @quintaldasestrelas. Mas há muitos mais. Postam frases, poesias. Revivem autores como Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu. Publicam seus próprios textos. Uma vitória contra o mundo editorial, que hesita em investir nos novos autores. No meio deles há os que adoram uma autoajuda, como @osegredooficial.

Ninguém vence a compulsão por postar selfies. Não entendo. Por que querem mostrar que estiveram ao lado de uma pessoa famosa? Ou que têm mãe, exibindo a pobre velha com uma faca na mão quando corta cebola? Ou desconhecidos numa festinha de aniversário?

Eu me apaixonei pelo Instagram. Inevitável que poste muito sobre novelas. Todas as noites, escrevo um microconto. Adoro. São contos mínimos, com palavras milimetradas. Garanto, aprendi a centrar a ação em poucas frases, contando uma história inteira.

Não me engano. O Instagram é um bom local para expressar pensamentos, fazer amigos. Mas não é minha vida.

E me assusto. Há quem seja capaz de postar foto quase sem roupa. Quando vem uma reação, diz que era sua vida privada. Instagram é público. Muita gente pensa que não.

***

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