21H59. "PERDÃO, PRESIDENTE: CHEGUEI ANTES DA HORA" SPONHOLZ |
HÁBITOS NOTURNOS DA
REPÚBLICA
Por hábito, segundo já confessou o presidente Michel Temer,
ou talvez para manter sigilo sobre certos encontros, é no escuro da
noite,
se necessário no protegido porão do palácio que ele cumpre
seu terceiro expediente diário de trabalho
Por Ricardo Noblat
noblat.oglobo.globo.com
10/08/2017 - 05h24
Se os tempos fossem outros, os
veículos de comunicação certamente se veriam forçados a escalar repórteres para
dar plantão à porta do Palácio do Jaburu depois das 22 horas – e, a depender do
movimento, por toda a madrugada.
Por habito, segundo já confessou
o presidente Michel Temer, ou talvez para manter sigilo sobre certos encontros,
é no escuro da noite, se necessário no protegido porão do palácio que ele
cumpre seu terceiro expediente diário de trabalho.
Isso quase lhe custou o mandato
presidencial. Um dos seus visitantes noturnos, o empresário Joesley Batista,
foi admitido no palácio com o nome falso e gravou o que disse a Temer e o que
ouviu dele. Desde então se instalou por lá um equipamento anti-grampo.
Sábia providência. Que devolveu a
Temer a confiança para insistir na prática. O ministro Gilmar Mendes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), é assíduo frequentador do Jaburu, sem
discriminar entre o dia e a noite, sempre ocupado em fazer “análises de
circunstâncias”.
A mais recente ida de Gilmar ao
palácio foi no último domingo, véspera da entrada no STF da arguição de
suspeição e impedimento do procurador-geral da República Rodrigo Janot
apresentada pela defesa do presidente da República. Dará em nada.
Na última terça-feira, depois das
22 horas, foi a vez de Raquel Dodge, que sucederá a Janot no cargo, visitar
Temer no Jaburu. O encontro teria escapado à atenção dos jornalistas se não
fosse o registro acidental feito por um cinegrafista.
Que assunto urgente e aparentemente
grave levaria Dodge a reunir-se com Temer em horário tão impróprio? A reunião
não constava da agenda oficial de nenhum deles. Dodge explicou depois: foi para
tratarem de detalhes da cerimônia de posse dela em setembro. E só.
Sabe-se que Dodge, por temperamento,
é centralizadora. Quer estar a par de tudo do que lhe compete e a seus
subordinados. Temer é mais ou menos assim também. Quem sabe não preferiram
cuidar eles mesmos dos detalhes da cerimônia?
Tipo: em que local ela ocorrerá –
no maior salão do Palácio do Planalto ou em outro menor? Os dois entrarão
juntos – ou Dodge primeiro e depois Temer? Haverá um coquetel mais tarde? Para
quantas pessoas? Onde? O que será servido? Por quantos garçons?
Nem de longe os dois se
preocuparam com o risco de o encontro ser mal interpretado. São representantes
de poderes distintos. Os bons costumem sugerem que pessoas assim se reúnam à
luz do dia, respeitados todos os protocolos, informado o distinto público.
Foi Temer que preferiu escolher
Dodge para o cargo, desprezando o nome mais votado pelos procuradores da
República na lista tríplice que lhe foi enviada. Ela foi a segunda mais votada.
O primeiro mais votado era do gosto de Janot, que considera Dodge uma “víbora”.
A futura procuradora-geral da
República está decidida a devolver o Ministério Público ao seu leito natural.
Por tal coisa, entenda-se, um Ministério Público mais ortodoxo, cioso das
regras, que não se deixe encantar pelo foto-fátuo das operações correntes.
Entenderam?
Dodge é fiel depositária da esperança
de todos, principalmente dos políticos, que se julgam alvos de injustiças que
poderão lhes custar o mandato e a liberdade. Deveria sentir-se, pois, obrigada
a zelar com severidade pelas aparências e a preservar a dignidade do cargo.
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