sexta-feira, 22 de setembro de 2017

QUASE HISTÓRIAS: SANTA CUMPLICIDADE

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Ilustração: Cantinho Luma

CENA 1

-- Você está ficando velho, meu velho. Mas não se preocupe, não. Ninguém lhe dá a idade que, de fato, você tem. Parece ter quinze anos a menos. Continua bonito, conservado. Mas – como eu – envelheceu.

-- Por que diz isso?

-- Seus olhos marejam por qualquer coisa. Os meus também marejam à toa. Que importa?  Estamos juntos.


CENA 2

Argemiro (8.6, hipertenso, cardíaco) e Esmeralda (8.7, obesa, diabética) eram casados há sessenta anos. A cada dia, a cumplicidade entre eles aumentava ainda mais - às vezes, perigosamente:

-- Tudo bem, Argemiro, não vou dizer aos meninos que hoje você tomou hoje uma cachaça escondida e duas latas de cerveja também.

-- Você jura por Deus, Esmeralda, que não vai contar aos meninos que bebi? Eles estão loucos pra nos internar...

-- Juro. Mas só se você jurar também que não vai contar pra eles que eu bati uma lata de leite condensado.

-- Claro que não vou contar nada pra ninguém. Só não podemos exagerar.

-- Verdade. Quer uma balinha de coco?

-- Não, obrigado. Vou tomar mais um gole.

-- Bom proveito.

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Ilustração: Lézio Júnior


CENA 3

Impossível não ouvir, que bom ouvir! Quase duas horas de viagem. Eles não paravam de conversar conversa deliciosa – os dois sentados nos bancos atrás do meu. Comentavam a paisagem, as notícias do dia, falavam – lúcidos, serenos, apaixonados – sobre tudo. Tinham, salvo engano, 190 anos de amor.

Melhor tirar os óculos para leitura, fechar o livro e ouvir com atenção.

Hora de aprender.

Lá pelas tantas, ele disse a ela:

-- Acordei duas e meia, estava meio ansioso, pensei em lhe chamar... Resolvi não incomodá-la.

E ela, feliz da silva, lhe devolveu:

-- Bobagem. Você nunca me incomodou. E continua não me incomodando. Não me incomodará nunca.


CENA 4

- Cadê meu chinelinho de quarto, meu velho?

- Não sei, não, querida. Vou procurá-lo.

ORLANDO SILVEIRA - ATUALIZADO EM SETEMBRO DE 2017



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