terça-feira, 19 de setembro de 2017

CRÔNICA: WALCYR CARRASCO

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Ilustração: Antonio Jaber

POLÍTICA, O MELHOR NEGÓCIO

Com uma única assinatura ou conversa, eles ganham
mais do que ganhei numa vida de trabalho duro

Por Walcyr Carrasco
Época Digital – 06/06/2017

Eu adoraria ser corrupto. Estaria rico. Minha formação impediu. Erro dos meus pais? Talvez tenha frequentado demais a igreja quando criança. Pior: tenho aura de santo. Ninguém nunca me fez alguma proposta desonesta e vantajosa. Ninguém quis me comprar. Minto. Tive uma tentativa de suborno, profissionalmente. Trabalhava em uma grande revista de circulação nacional. Meu chefe pediu uma nota sobre um empresário que anunciara, de forma divertida, que pretendia vender uma fazenda. Fui até ele. Entrevistei. Ele pediu para conversar mais um pouco. Segundo acreditava, se a nota saísse na revista, certamente venderia a fazenda. E me ofereceu um carro.

– Não, não – protestei igual a uma noviça diante de um tarado.

Voltei à redação da revista e conversei com meu chefe.

– Não podemos dar a nota, porque ele tentou me subornar.

– Mas é ótima! – insistiu o chefe.

– Ficarei numa situação muito difícil. E se mandar o carro?

Pronto, não saiu a nota, não houve carro. Tive a sensação de dever cumprido e continuei com meu ferro-velho.

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Walcyr Carrasco/Divulgação
Na última semana, cheguei a trabalhar 14 horas por dia. Em frente ao computador. Houve dias em que fui dormir às 7 da manhã. Escrever novela tem um lado glamouroso. Mas outro, inteiramente braçal. Tudo por algo que, em retrospectiva, parece ter sido falta de consciência sobre as oportunidades da vida. Quis seguir minha carreira honestamente. Acreditei em vocação. E a minha era ser escritor.  Quando adolescente, e durante boa parte da juventude, eu era politizado. Fiz teatro popular em comunidades religiosas. Assisti à fundação do PT. Convivi por anos com uma sobrinha de Mario Covas que frequentava minha casa. Ao longo da vida, tive contato com outros que se tornaram poderosos – Alckmin, Temer. Quando Dilma se tornou presidente, surpreendi-me. No passado, fui amigo íntimo de três garotas que ficaram presas com ela (hoje, senhoras respeitáveis). Esses contatos não foram à toa. Além de escritor, eu tinha certa vocação para a política. Só nunca exerci. Senão, no mínimo, eu já poderia estar fazendo uma boa delação premiada!

Tantos bons negócios passaram por mim enquanto eu cuidava da vocação. Vejo sujeitos sem carisma, sem ideias ou projetos, “donos” de partidos políticos. Os nanicos. Acredito que nenhum dos integrantes da matilha pensa em realmente se eleger para um cargo executivo. Contentam-se em ter vereadores e deputados. Poucos. Dinheiro bom vem de vender apoio. As tais coligações. Se têm um tempinho na TV, extraem dele mais ouro que os Sete Anões da mina. E todos têm uma Branca de Neve em casa a sua espera! Se algum intruso perguntar qual é seu projeto para o país, vão procurar numa pilha de papéis empoeirados, até achar um calhamaço que ninguém leu.

“Hoje eu poderia estar em um iate, escrevendo por diversão.
No máximo em uma casa à beira-mar usando uma tornozeleira
eletrônica por algum tempo. Por que segui minha vocação, por quê?
Ser honesto só me deu prejuízo...”

Eu me considerava esperto. Assisti à votação do impeachment de Dilma inclusive para ver como são nossos congressistas. Que susto. Qual conhece as ideias fundamentais de educação? Economia? Ecologia? Poucos têm alguma ideia de como conduzir uma nação. São bons contadores: sabem somar apoios e valores. Pedir verbas. Dariam bons diretores de RH, pois arrumam emprego para quem podem. Público, claro. Também são candidatos a santos, porque só falaram em Deus e a família. Fui ao espelho e disse a mim mesmo, sinceramente.

– Asno.

Como poderia me julgar melhor que eles? Foi com o meu voto que muitos se elegeram. Já que hoje em dia a gente vota em um, mas elege vários. O asno sou eu, sim. Ou você. Nós.

Aí eu assisto ao grande empresário Joesley dando um depoimento. Falando em US$ 70, US$ 80 milhões. No papo gravado do Aécio, R$ 2 milhões para o advogado. Fala-se de uma casa de R$ 40 milhões para a mãe dele. Oiiii... a mãe do Aécio não tinha casa? A mãe do Aécio era sem-teto? E que casa é essa de R$ 40 milhões em Minas Gerais? É de ouro? Depois mais R$ 5 milhões para Eduardo Cunha, para completar R$ 20 milhões. E a Odebrecht falando em milhões e mais milhões também.

Nunca me considerei um profissional mal pago. Chocado, descubro que, com uma única conversinha ou assinatura, qualquer um deles ganhou mais do que eu durante uma vida toda de trabalho duro. Simples assim. Saiu uma assinatura, fulano ganhou. Outra assinatura, ganhou mais.


Hoje eu poderia estar em um iate, escrevendo por diversão. No máximo em uma casa à beira-mar usando uma tornozeleira eletrônica por algum tempo. Por que segui minha vocação, por quê? Ser honesto só me deu prejuízo...

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