domingo, 10 de maio de 2015

QUASE HISTÓRIAS (XII)

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CONVERSA NO ÔNIBUS

Impossível não ouvir, que bom ouvir!

Quase duas horas de viagem. Eles não paravam de conversar conversa deliciosa – os dois sentados nos bancos atrás dos nossos. Comentavam a paisagem, as notícias do dia, falavam – lúcidos, serenos, apaixonados – sobre tudo. Tinham, salvo engano desse contador de boteco, 190 anos de amor.

Melhor tirar os óculos para leitura, fechar o livro e ouvir com atenção.

Hora de aprender.

Lá pelas tantas, ele disse a ela:

-- Acordei duas e meia, pensei em chamar você, resolvi não incomodá-la.

E ela, feliz da silva, lhe devolveu:

-- Bobagem. Você nunca me incomodou.




Armando Guerra

BEIÇOLA

Noite gelada. O homem parou para comprar cigarros na padaria. E ele, como sempre, estava lá, com seu cachorro, companheiro inseparável de todos os segundos, enrolado por uma manta tão suja e puída quanto suas roupas, sentado no degrau do sobrado vizinho.

Todos o conheciam, e dele gostavam. Raramente, ele pedia algo a alguém, mesmo para os conhecidos. Naquela noite, pediu um cigarro ao homem.

O homem entrou na padaria, tomou um trago, pediu ao rapaz da chapa que fizesse um bauru caprichado para viagem, comprou cigarros e fósforos. Voltou para o balcão, tomou mais um trago, noite fria demais, de trincar ossos.

Na saída, o homem disse a ele:

-- Comprei um maço de cigarros e fósforos para você. Este lanche também é seu, coma, está quentinho, vai-lhe fazer bem. Você precisa comer, não pode só beber.

Agradecido, ele enfiou o maço de cigarros e a caixa de fósforos no bolso do casaco. Deu uma mordida no lanche, mastigou, mastigou, engoliu a pulso:

-- Está muito gostoso, mas não consigo comer. Posso dar o restante para o cachorro, o senhor não me leva a mal? Ele tem mais fome que eu.

-- Claro que não.

-- Muito obrigado. Vá com Deus.



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