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CONVERSA NO ÔNIBUS
Impossível
não ouvir, que bom ouvir!
Quase
duas horas de viagem. Eles não paravam de conversar conversa deliciosa – os
dois sentados nos bancos atrás dos nossos. Comentavam a paisagem, as notícias
do dia, falavam – lúcidos, serenos, apaixonados – sobre tudo. Tinham, salvo
engano desse contador de boteco, 190 anos de amor.
Melhor
tirar os óculos para leitura, fechar o livro e ouvir com atenção.
Hora
de aprender.
Lá
pelas tantas, ele disse a ela:
--
Acordei duas e meia, pensei em chamar você, resolvi não incomodá-la.
E
ela, feliz da silva, lhe devolveu:
--
Bobagem. Você nunca me incomodou.
Armando Guerra |
BEIÇOLA
Noite
gelada. O homem parou para comprar cigarros na padaria. E ele, como sempre,
estava lá, com seu cachorro, companheiro inseparável de todos os segundos,
enrolado por uma manta tão suja e puída quanto suas roupas, sentado no degrau
do sobrado vizinho.
Todos
o conheciam, e dele gostavam. Raramente, ele pedia algo a alguém, mesmo para os
conhecidos. Naquela noite, pediu um cigarro ao homem.
O
homem entrou na padaria, tomou um trago, pediu ao rapaz da chapa que fizesse um
bauru caprichado para viagem, comprou cigarros e fósforos. Voltou para o
balcão, tomou mais um trago, noite fria demais, de trincar ossos.
Na
saída, o homem disse a ele:
--
Comprei um maço de cigarros e fósforos para você. Este lanche também é seu,
coma, está quentinho, vai-lhe fazer bem. Você precisa comer, não pode só beber.
Agradecido,
ele enfiou o maço de cigarros e a caixa de fósforos no bolso do casaco. Deu uma
mordida no lanche, mastigou, mastigou, engoliu a pulso:
--
Está muito gostoso, mas não consigo comer. Posso dar o restante para o
cachorro, o senhor não me leva a mal? Ele tem mais fome que eu.
--
Claro que não.
--
Muito obrigado. Vá com Deus.
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