quarta-feira, 27 de maio de 2015

COISAS DA VIDA

Violante Pimentel
Violante Pimentel é procuradora
aposentada
 do Estado do Rio Grande do Norte


A VINGANÇA

(Por Violante Pimentel) Dona Marta era uma sofredora. O marido, alcoólatra inveterado, era um péssimo companheiro e um péssimo pai. Do tipo que elege o horário das refeições para acerto de contas com os filhos e a mulher. E a mesa, que era pra ser um lugar sagrado, havia se tornado um palco para grosserias e repreensões do dono da casa com relação aos três filhos do casal.

Foram muitos anos de sofrimento de Dona Marta e dos filhos, quando, no casamento, era respeitada a regra “até que a morte os separe”.

Beirando os sessenta anos, Seu Manoel, o marido, foi acometido de morte súbita, vítima de um AVC.

Como era costume antigamente, o velório ocorreu em casa, e a vizinhança toda compareceu. Ao meio dia, chegou do interior uma grande amiga e comadre de Dona Marta, depois de ter recebido a comunicação da morte do compadre pela Estação Ferroviária. Na ocasião da chegada da comadre, como era hora de almoço, a sala estava mais ou menos vazia. O corpo estava sendo velado, e o sepultamento seria à tarde.

Preocupada em ver a comadre, Marieta foi direto à sua procura. Passou pelos quartos, mas não havia ninguém. Procurou a comadre pelos quatro cantos da casa, mas não encontrou. Lembrou-se de ir até um terraço no final da casa.  Lá estava a viúva, atracada com um enorme prato fundo, transbordando de feijão, arroz, farinha, e um bom pedaço da mistura. Lágrima nos olhos, nenhuma. 

Comovida, Marieta abraçou Dona Marta chorando, e estranhando a frieza e o autocontrole da mulher. Afinal de contas, o falecido jazia sozinho na sala àquela hora, e ela ali se empanturrando de comida...

De repente, Dona Marta desabafou:

-Sabe, comadre Marieta?  Em quase trinta anos de casada, pela primeira vez esse infeliz, esse filho de uma puta, está me deixando comer sossegada!!!



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