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Foi
assim durante quase duas décadas. Logo cedo, alguém punha a velha no sol. Logo
depois, às vezes nem tão logo assim, outro alguém tirava a velha do sol. Diariamente,
o ritual se repetia – exceto, obviamente, nos dias de chuva.
No
começo, era quase farra, tarefa dividida pela família. Filho, nora e netos se
revezavam. O cachorro de estimação se divertia a valer com a turma empurrando a
cadeira de rodas da velha até o quintal.
As
crianças cresceram, foram cuidar da vida. O cachorro de estimação morreu. Seu
substituto – ninguém sabe por que – odiava a velha e sua cadeira de rodas. Rosnava.
Pôr e tirar a velha do sol virou tarefa da empregada. A situação
apertou. Sabem como é? Viver de aposentadoria é uma porcaria, o dinheiro não dá para nada. A empregada se foi
com os salários atrasados. Com ódio de todos, especialmente da velha.
Alquebrados,
filho e nora passaram, então, a dividir a tarefa de pôr a velha no sol e tirar
a velha do sol.
Naquele
dia, filho e nora cumpriram apenas a parte inicial da tarefa: colocaram a velha no sol.
Rio,
45 graus.
No
dia seguinte, a velha, tão branquinha, meio rosada, foi enterrada mais escura que
Clementina de Jesus. Virou carvão.
Nenhuma
lágrima foi vertida pela família.
(JANEIRO/2014)
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