segunda-feira, 18 de maio de 2015

QUASE HISTÓRIAS (XIX)

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PANCADINHA & PANCADÃO

Cumpriu o ritual de sempre. Deu os remédios para o pai, esperou o pai tomar banho, secou o pai, vestiu o pai, preparou o café do pai, serviu o pai, colocou o pai sentado no sofá para escutar a tevê, porque ver o pai pouco via.

Era seu plantão de final de semana.

Pediu ao pai para que ficasse ali quietinho, que não se levantasse sozinho porque as chances de cair e de se machucar eram de 110%. Precisava ir até o mercado do outro lado da rua comprar frutas, coisa de quinze minutos no máximo.

Mas cadê os óculos?

Procurou em vão pela casa toda. Onde estariam os malditos? Sem eles, como ir às compras? Depois de quase meia hora de procura, foi tomado por uma ideia medonha: será que o pai sentara em cima dos óculos? Sentara. Mas sentara em cima dos óculos dele, do pai. Mas e os óculos do filho? Estavam na cara do pai.

E quem os colocou na cara do pai foi o próprio filho, o pancadinha.  


FIM DA LINHA

E nada mais foi dito, após a sentença ser decretada pela família.

Os filhos se entreolharam comovidos, sob o olhar aflito, mas firme, da mãe.

O velho também não disse palavra. Olhava o nada, sem lágrimas. Sabia que aquilo – sua interdição – não era maldade.

Era inevitável.


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