O FILME É O MESMO (**)
Essa presepada regida
pelo PMDB, à frente do saco de gatos conhecido como base aliada, augura um ano
eleitoral bem movimentado. Nossos governantes começam a engalfinhar-se, no
estressante afã de cada um garantir o seu e fazer as escolhas certas, antes que
seja tarde, pois um erro de cálculo, a esta altura, pode sair muito caro. Com o
possível intervalo da Copa, tudo agora é campanha eleitoral e tudo o que se faz
em política é com o olho nas eleições, não importa quanto se minta em
contrário. Lá vamos nós outra vez, pagar ingresso caro por um filme que já
vimos.
Ninguém está pensando,
ainda que remotamente, no interesse público ou nos destinos do país. Para
muitos, isto não acontece nunca e, em época de eleição, fica pior. A briga é
por poder e - por que não dizer? - dinheiro, porquanto, mesmo onde não haja
corrupção, há o desfrute de incontáveis vantagens, traduzíveis em bastante
dinheiro. Os partidos políticos não querem dizer nada, são meros aglutinadores
de interesses frequentemente passageiros e mutáveis, segundo as circunstâncias.
Já há muito tempo, contam-se entre os nossos padecimentos sermos expostos à
propaganda partidária gratuita, com o que nos passam um permanente, embora
talvez merecido, atestado de burrice, desimportância e ignorância.
Se os nomes e siglas
dos partidos fossem retirados desses programas, todos serviriam para todos, são
obras-primas de vacuidade e ambiguidade, que os tornam praticamente
intercambiáveis. Se se quiser, através deles, definir a identidade de um
partido, a dificuldade será grande. Às vezes sem mudar nem o palavreado, são
todos, pela justiça social, pela criação de empregos, pela melhoria da saúde,
da educação e dos transportes, pela segurança pública e por tudo mais com que
qualquer um concorda, só o Amigo da Onça seria contra melhorias em todas essas
áreas.
“Com o possível
intervalo da Copa, tudo agora é campanha eleitoral e tudo o que se faz em
política é com o olho nas eleições, não importa quanto se minta em contrário.
Lá vamos nós outra vez, pagar ingresso caro por um filme que já vimos.”
Mas nenhum diz o que
fará concretamente para mudar o que tanto se deplora. E, principalmente, nenhum
diz como fará para atingir objetivos porventura explicitados. Farão
precisamente o quê, planejam que ações? Se prometem tal ou qual reforma, como
procederão para superar os obstáculos e concretizá-la além do nível do gogó? De
que instrumentos pretendem dispor ou que instrumentos pretendem criar, que
mudanças reais pretendem fazer, além das cansadas invectivas contra a má
qualidade da educação, da saúde, dos transportes e assim por diante?
Há muito tempo que não
se vislumbra uma estratégia, por parte dos governantes e dos partidos, para o
nosso destino como país e como sociedade. Que tipo de país queremos para nós,
aonde queremos conduzir nosso futuro, que projetos temos? O governo atual dá a
impressão de agir topicamente, conforme a necessidade. Apareceu um problema,
faz um plano para atacá-lo. Não parece haver nada orgânico, nada estruturado,
nada definido de acordo com uma visão mais abrangente. Priorizar o social e
criar empregos também são objetivos vagos, que tinham de pertencer a um todo
bem mais especificado. O que parece acontecer é que se tomam decisões meio ao
deus-dará - vamos fazer um trem-bala ali, uma transposição de água do São
Francisco acolá e por aí vamos, aos solavancos.
O que se disputa é
poder e dinheiro mesmo. O poder e suas mordomias significam tanto que, muito
frequentemente, se prefere morrer a perdê-los. No Brasil, pense o cidadão comum
nas vantagens de muitos governantes (governantes, talvez seja bom lembrar, de
todos os poderes da República, não somente o Executivo), que nunca mais vão
entrar numa fila; nunca usarão transporte público; têm salários elevados,
ajudas de custo e todo o tipo de verba especial - alguns com cartão
corporativo; nunca mais enfrentarão nenhuma das indignidades enfrentadas pelo cidadão
comum, no dia a dia; têm jornadas de trabalho, férias e licenças
especialíssimas; gozam de aposentadorias integrais e outras vantagens depois de
pouquíssimo tempo de serviço; não gastam nada com planos de saúde, mas, pelo
contrário, têm direito a atendimento nos melhores hospitais do país, direito
estendido também à parentela. Ninguém pode avaliar o significado de toda essa
tranquilidade, em comparação às incertezas em que vivem aqueles fora do poder
ou da riqueza - e se compreende a observação atribuída a Darcy Ribeiro: "O
Senado é o céu".
“Há muito tempo que não
se vislumbra uma estratégia, por parte dos governantes e dos partidos, para o
nosso destino como país e como sociedade. Que tipo de país queremos para nós,
aonde queremos conduzir nosso futuro, que projetos temos?”
Enquanto durar o
presente fuzuê, nada mais deverá ocupar os parlamentares. Esse negócio da
sobrevivência é uma briga difícil e absorvente, o sujeito não pensa em mais
nada. Além disso, a moeda de troca do governo talvez esteja até ficando
escassa. Depois do mensalão, ficou meio fora de moda comprar diretamente o
apoio - e os ministérios estão aí mesmo, para serem negociados. A escassez,
contudo, pode atrapalhar, restando apenas a criação de mais uns dois ministérios,
para tentar com isto, juntamente com uma dúzia de diretorias e umas três dúzias
de conselhos deliberativos e mais uns assemelhados, suprir a demanda. Não creio
que, para quem já é recordista em número de ministérios, mais uns dois sejam
problema; onde comem 39, comem 41.
Um combativo guerreiro
do PMDB disse que não se trata de cargos, mas de palanques. Acho o reparo
irrelevante, porque claro que no fundo é a mesma coisa. O certo é que podemos
ter certeza de que, mais uma vez, não é em nós que eles estão pensando, é
neles. Não querem independência nenhuma, nem fazem nenhuma reivindicação nossa,
querem é garantir o deles. Mas passa e vai acabar dando em nada. A não ser, é
claro, que venham a sentir que o governo vai perder a eleição. Aí declararão
outra vez independência e dirão que fazem tudo isso para o bem do Brasil.
(*) Membro da Academia Brasileira de Letras, baiano de Itaparica,
João Ubaldo Ribeiro é escritor, jornalista, roteirista e professor. Em 2008,
ganhou o prêmio Camões, maior premiação para autores de língua portuguesa.
Nasceu em 1941.
(**) Artigo publicado em O Estado de S. Paulo em 16/03/2014.
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