quinta-feira, 28 de maio de 2015

O HOMEM BARSA

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O Velho Marinheiro, nosso Lobo do Mar, deu uma passada no bar do Carneiro. Queria saber como andava o amigo, sempre às voltas com suas catorze doenças e com o vício da mulher, que gastava o dinheiro miúdo da família numa máquina caça-níqueis escondida no fundo da espelunca. Ficou perplexo com o que viu e ouviu. 

Romualdo Bastos – o cruzadista –, alçado à categoria de intelectual da Vila Invernada, por conta de seus sólidos conhecimentos sobre os mais variados e inusitados temas, improvisava uma palestra sobre seu “método de trabalho”. O que mais impressionava nosso Lobo do Mar, no entanto, era a atenção que lhe dedicavam os presentes, uma gente avessa à leitura. Tacos de bilhar repousavam sobre o pano verde, ninguém ousava interromper o homem. O silêncio só era quebrado pela tosse renitente de Toninho Moleza. Os malditos cigarros lhe arruinaram os pulmões.

-- Meu método é simples: não acumulo dúvidas e me deixo – tal qual um pai de santo – ser tomado pela curiosidade. Se o desafio é responder qual o continente mais populoso do mundo – e a resposta eu já sei, claro! –, vou além: quero saber quais são os países que dele fazem parte, qual a população de cada um deles, quem os preside etc. Não paro por aí: vou pesquisar também como são formados os outros continentes. Anoto, decoro, passo semanas fazendo isso. Agora mesmo, estou memorizando os nomes de todos os países que compõem a ONU, os nomes de seus respectivos presidentes e capitais, a área geográfica e a população de cada um deles – gabava-se Romualdo Bastos.

Toninho Moleza acendeu mais um cigarro, tossiu a valer e disparou:

-- Doutor Romualdo: o senhor ainda vai entrar naquela academia e virar imortal! Para orgulho de Vila Invernada!

Palmas se confundiam com gritos de “bravo”. Alguém ameaçou puxar o refrão “Romualdo é coisa nossa”. O cruzadista sorvia aos golinhos o aperitivo, afetando falsa modéstia. Até que o Velho Marinheiro interveio:

-- Qual é a mesmo sua graça?

-- Romualdo. Romualdo Bastos. A seu dispor.

-- Eu também sou curioso, seu Romualdo: que serventia pode ter uma cultura inútil dessas?  

(outubro 2013)


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