FOTO: GETTY IMAGES |
ROMUALDO BASTOS
Onze horas. Um homem bem vestido (para os padrões locais,
evidentemente) entra no bar, deseja (em tom solene) que “todos os senhores
tenham um excelente dia”, dirige-se até o balcão, cumprimenta o dono da
espelunca, pede um aperitivo e uma lata de cerveja, vai até a mesa mais
retirada, senta-se, abre o jornal em determinada página, saca a caneta do
bolso, dá um gole no aperitivo e outro na cerveja, escreve algo que ninguém ali
imagina o que seja, olha para o alto como se pedisse ajuda divina, baixa a
cabeça de novo, escreve mais alguma coisa, dá um gole no aperitivo e outro na
cerveja, volta a olhar para o alto etc.
Esse ritual leva cerca de uma hora, período em que, por nenhuma vez,
virou a página do jornal. Levanta-se, vai até o balcão, pede um novo aperitivo
(que entorna de uma vez, ao contrário do que fizera com o primeiro, sorvido aos
golinhos), paga a conta, despede-se do dono do bar, deseja (sempre em tom
solene) que “todos os senhores tenham uma excelente tarde”.
Mal atravessou a rua, começaram as especulações: quem seria a
figura, de onde viera, era morador novo no bairro, que fazia da vida, já tinha
aparecido por ali antes, por que olhava tanto para o alto antes de escrever,
por que não virava a página do jornal? As indagações eram muitas, do tamanho da
curiosidade humana.
Infelizmente, Carneiro, o dono do boteco, também não tinha maiores
informações sobre aquele homem bem vestido (para os padrões locais,
evidentemente). Sabia apenas que era a segunda vez que aparecia ali, que hoje
repetiu o ritual de ontem, que se mudara para a casa do falecido J. Pinto (na
rua debaixo), que ele se chamava Romualdo Bastos e que, salvo engano, ele viria
todos os dias, aposentado que era. Nada mais que isso.
O pessoal do bilhar deixou os tacos de lado, para se concentrar nas
especulações. Para fulano, o homem era investigador e estava de campana, atrás
de informações sobre o paradeiro de Chiquinho da Maconha, o principal
traficante da área. Para beltrano, não era nada disso, não. Logo se via, pela grossura
dos óculos, que não era polícia coisa nenhuma. Nunca tinha visto investigador
de óculos com lentes tipo fundo de garrafa, coisa para intelectual, gente que
lê muito. Sicrano observou que os óculos poderiam ser um disfarce,
investigadores e detetives adoram disfarces, era bom não se fiar no homem.
Alguém sugeriu que a turma lhe desse uma prensa, para que revelasse quem era.
Carneiro achou a operação arriscada, melhor todo mundo ficar quieto, não dizer
palavra enquanto ele estiver no bar.
O mal-estar só se dissipou
quando Toninho Moleza chegou e disse:
-- Seu Romualdo gostou muito do ambiente, Carneiro. Ele me disse que
virá todos os dias.
-- E você conhece seu Romualdo, Toninho Moleza? – quiseram saber
todos.
-- Claro! Minha mãe faz faxina na casa dele há uns dez anos ou mais,
desde o tempo em que ele morava na Penha. É gente boa. Só tem um vício:
palavras cruzadas. (2013)
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