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A “DONA” DO LAR
Tempos difíceis, os nossos. Como nunca antes neste país, a lei da oferta
e da procura mostra suas garras. É mais fácil acertar no jogo do bicho que
encontrar uma empregada doméstica para chamar de sua. Nem falo das diaristas. Moscas raras. Quando
você consegue uma, ainda que a dita seja de uma incompetência a toda prova, é
melhor engolir sapos, fingir que não viu nada de errado, fazer de conta que é
surdo, concordar com tudo o que ela diz. Melhor não contrariá-la. A não ser,
claro, que você se disponha a pegar no escovão. E a encarar o bico de sua
mulher, a outrora rainha do lar: “Por conta de seu gênio, diarista nenhuma para
em casa!”
Que gênio? Dita nunca chegou no horário combinado. Jamais reclamei. Dita
ouvia o rádio no último volume. Jamais dei um pio. Quebrar louças era com Dita
mesmo. Eu me limitava a lhe dizer: “Não esquenta, isso acontece.” Dita vivia
grudada no celular. Dita reclamava da comida e só bebia água mineral. E eu
calado, bebendo água do tal de volume morto. Dita não limpava direito. Eu dava
os retoques. Tudo para não chateá-la. Até o dia em que Dita me tirou do sério.
Trabalho em casa. Fui à portaria buscar umas encomendas. Quando
retornei, me deparei com Dita sentada na frente do computador corrigindo meu
texto. Antes que falasse alguma coisa, ela disparou:
-- Não gostei do título. Vou mudá-lo. O texto também está muito longo.
Vou enxugá-lo.
-- Como?
-- É. Vou dar um trato no texto, colocá-lo de pé. Porra, eu preciso
desenhar? Está ruinzinho que só. Limpe a janela de seu quarto, se não vou me
atrasar. Preciso sair no horário.
Aturdido com tamanha insolência, cheguei a pegar o pano e o vidro de
álcool. Caiu a ficha. Mandei a Dita embora. A patroa não me perdoa até hoje:
“Este seu gênio... Agora, onde vamos arrumar uma diarista tão boa quanto Dita?” (OS)
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