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O Velho Marinheiro
tentou puxar conversa duas, três vezes, mas, naquela manhã de domingo, quem não
estava para prosa nenhuma era Ananias, nosso repórter em fim de carreira.
Parecia mais deprimido que nunca – um verdadeiro Barbosa, após o segundo gol do
Uruguai em cima do Brasil na Copa de 50. Entornava a cerveja com a agonia de
quem ingere cicuta. Uma lástima.
-- Fala de uma vez,
Ananias: o que foi que lhe fizeram?
Ananias relutou,
relutou, mas acabou por romper o silêncio dos aflitos:
-- Ontem, fui humilhado
por amigos antigos, posto abaixo de cachorro... Bem que eu não queria ir, não
estava a fim de me reunir com ninguém. Meu coração me dizia: “Não vá, Ananias,
não vá!”. Mas fui. Maldita hora.
-- Foi humilhado por
quê? – quis saber, com a impaciência costumeira, o Lobo do Mar, à caça do bicho
de pé imaginário.
-- Eles me chamaram de vira-casaca,
traidor, reacionário, neoliberal, direitista... E disseram mais: que eu mereço
estar na merda em que me encontro, financeiramente, porque traí o partido, porque
me bandeei para a direita.
-- E você lhes disse o
quê?
-- Não me deixavam
falar.
-- Então, gritasse!
Desse um murro na mesa!
O Velho Marinheiro
achou por bem reforçar o estoque. Pediu ao Carneiro, dono do boteco, que
providenciasse mais cerveja, cachaça e tremoço.
-- Escuta aqui,
Ananias: quando é que você vai parar de ser besta, de se impressionar com a
falação de vagabundos? Ora, só muda de opinião quem tem opinião pra mudar. Tem
mais: alguém disse – Confúcio, antes de Cristo nascer – que só os gênios e os estúpidos
não mudam de opinião. Pelo visto, seus falsos amigos se incluem na última
categoria. Mande eles se catarem. Vão patrulhar a puta que os pariu!
-- Mas eu continuo
acreditando nas mesmas coisas em que acreditava. Quem mudou foi o partido, que
pregava uma coisa e, no poder, faz o contrário do que dizia defender.
-- Então, você deveria
ter dito a eles: “Eu não tenho compromisso com o erro. Das duas, uma: ou vocês
são muito idiotas e não entendem nada do que está acontecendo, ou vocês são uns
venais”. E chega dessa prosa besta, coma uns tremoços para forrar o estômago.
Não tenho mais idade nem paciência para levar ninguém para casa, muito menos um
bêbado deprimido. (2014)
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