sábado, 10 de outubro de 2015

A CURA

ineternet

O Velho Marinheiro tudo ouvia, nosso Lobo do Mar não perdia um gesto sequer. A ponto de esquecer – momentaneamente, claro – o bicho do pé imaginário. O assunto era palpitante: depressão – o mal do século, segundo jornais e revistas e curandeiros de toda espécie. E a visita, moça nova, enricada, amiga de Irene, neta predileta, desandou a falar dos males da mesmice diária, da falta de sentido da vida. 

-- Infeliz por infeliz, quero ser infeliz em Paris. Que vida dura, a minha: ter tudo do bom e do melhor e não achar graça em nada. Após dez anos de análise!

-- Vou lhe curar – interrompeu a conversa o herói dos sete mares. E não lhe vou cobrar nada pela cura. Quem ouviu conversa fiada por dez anos – e pagou fortuna por isso – há de ter tino. Um pingo ao menos. Ouça. É de graça.

E a voz da experiência abriu os pulmões:

-- Carminha, minha preta querida, nossa mucama, chegue aqui. Traga o sorriso junto, porque sem ele você é nada. Nossa visita chora demais. De barriga cheia.

Carminha chegou e instigada pelo nosso Lobo do Mar passou a relatar a vida sofrida: acordava todos os dias às quatro horas, preparava a marmita do marido, apanhava as crianças, levava os rebentos pra creche, tomava trem mais ônibus, limpava a casa, lavava e passava roupa, fazia (com respeito e carinho) cafuné no Velho Marinheiro e patroa, retomava o caminho da roça, recolhia as crianças, ia para o tanque, ligava o ferro em casa etc.

Mas era feliz. Porque no sábado se punha bonita demais, pra dançar com o marido no forró da esquina de baixo. Na segunda, vinha alegre. Como sempre.

-- A senhora ouviu, não ouviu? Então, pare de reclamar, encare um tanque e ferro de passar, encoste a barriga na pia, deixe o analista de lado e rale o bucho com o marido. Se ele não gosta disso, dê-lhe um pé na bunda e arrume um pedreiro. Vá com Deus. Está curada. (julho 2013)


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