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O Velho Marinheiro tudo ouvia, nosso Lobo do Mar não
perdia um gesto sequer. A ponto de esquecer – momentaneamente, claro – o bicho
do pé imaginário. O assunto era palpitante: depressão – o mal do século,
segundo jornais e revistas e curandeiros de toda espécie. E a visita, moça
nova, enricada, amiga de Irene, neta predileta, desandou a falar dos males da
mesmice diária, da falta de sentido da vida.
-- Infeliz por infeliz, quero ser
infeliz em Paris. Que vida dura, a minha: ter tudo do bom e do melhor e não
achar graça em nada. Após dez anos de análise!
-- Vou lhe curar – interrompeu a conversa o herói
dos sete mares. E não lhe vou cobrar nada pela cura. Quem ouviu conversa fiada
por dez anos – e pagou fortuna por isso – há de ter tino. Um pingo ao menos.
Ouça. É de graça.
E a voz da experiência abriu os pulmões:
-- Carminha, minha preta querida, nossa mucama,
chegue aqui. Traga o sorriso junto, porque sem ele você é nada. Nossa visita
chora demais. De barriga cheia.
Carminha chegou e instigada pelo nosso Lobo do Mar
passou a relatar a vida sofrida: acordava todos os dias às quatro horas,
preparava a marmita do marido, apanhava as crianças, levava os rebentos pra
creche, tomava trem mais ônibus, limpava a casa, lavava e passava roupa, fazia
(com respeito e carinho) cafuné no Velho Marinheiro e patroa, retomava o
caminho da roça, recolhia as crianças, ia para o tanque, ligava o ferro em casa
etc.
Mas era feliz. Porque no sábado se punha bonita demais,
pra dançar com o marido no forró da esquina de baixo. Na segunda, vinha alegre.
Como sempre.
-- A senhora ouviu, não ouviu? Então, pare de
reclamar, encare um tanque e ferro de passar, encoste a barriga na pia, deixe o
analista de lado e rale o bucho com o marido. Se ele não gosta disso, dê-lhe um
pé na bunda e arrume um pedreiro. Vá com Deus. Está curada. (julho 2013)
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