ZÉ GUILHERME - ENTREVISTA EXCLUSIVA
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Há artistas que através do seu ofício conseguem expressar em dado momento suas reminiscências afetivas e sonoras. E quando consegue-se isso através de um vigoroso tributo parece que as coisas invariavelmente transcendem do lugar-comum. Dentro desta conjuntura pode-se citar "Abre a Janela – Zé Guilherme Canta Orlando Silva", álbum lançado recentemente pelo cantor cearense Zé Guilherme. Radicado em São Paulo há mais de três décadas, o cantor que lançou seu último projeto fonográfico em 2006, volta ao mercado com este álbum que conta com dezoito canções do repertório de um dos mais representativos artistas musicais brasileiro do século XX como foi possível atestar recentemente aqui mesmo em nosso espaço. Hoje, de modo gentil e solícito, Zé Guilherme volta ao nosso espaço para este bate-papo exclusivo onde aborda os mais distintos aspectos de sua biografia assim como também de sua carreira. Nesta informal conversa o artista relembra suas mais remotas recordações em relação à música, sua ida para São Paulo para atender ao chamado artístico, o porquê de longos hiatos em sua discografia assim como também no fala sobre o seu mais recente projeto em homenagem a um dos maiores intérpretes da história da música popular brasileira.
Zé, quais são as suas lembranças mais remotas em relação à música? Há alguma influência familiar nesta escolha pela música?
Zé Guilherme - Nasci e cresci ouvindo minha mãe cantar. Ela adorava ouvir os programas de rádio e era fã ardorosa dos cantores da Era do Rádio, de modo especial de Orlando Silva e Dalva de Oliveira. Além disso, a cidade onde nasci Juazeiro do Norte, sempre foi um polo de manifestações musicais, folclóricas e culturais às quais acompanhei desde o berço. Estas são minhas lembranças mais remotas e minhas primeiras influências musicais.
Você vem do Vale do Cariri não é isso? Até que ponto a música dessa região influenciou ou continua influenciando a sua obra?
ZG - Sim nasci e cresci no Vale do Cariri e apesar de não ser um artista com um trabalho de vertente regionalista a musicalidade, a cultura e as tradições da região estão impregnadas no meu sangue e presentes na minha personalidade artística e pessoal.
Desde a década de 1980 que você está radicado no Sudeste. Essa decisão de partir rumo ao “Sul maravilha” se deu exclusivamente por pretensões artísticas?
ZG – Foram várias as razões que me trouxeram para São Paulo, mas a principal delas foi a busca pela ampliação do meu universo de atuação artística.
Seu primeiro álbum, “Recipiente”, é de 2001; o segundo, “Tempo ao tempo” foi lançado em 2006. Agora nove anos depois vem seu terceiro disco. Por que intervalos tão longos em seus álbuns?
ZG – Na verdade Recipiente foi lançado em 2000 e não em 2001. Tempo ao Tempo em 2006. Ambos foram discos produzidos inteiramente por mim às minhas expensas, independentes. Depois de produzidos foram lançados pelo selo Lua Music, por meio de contrato de licenciamento por tempo determinado. Agora, em 2015, o Abre a Janela – Zé Guilherme Canta Orlando Silva, também independente. O fato de terem sido produzidos com recursos próprios, sem gravadora ou qualquer tipo de patrocínio é o que justifica intervalos tão longos, ou seja, dificuldades de ordem financeira, falta de gravadora, etc. Foram discos autofinanciados, eu sou meu próprio produtor fonográfico. Os três discos só foram possíveis devido à minha coragem, persistência e à disponibilidade dos meus parceiros envolvidos na execução dos projetos.
Depois de dois álbuns pela Lua Music você resolveu aventurar-se no universo da produção independente. Quais as maiores agruras encontradas nessa empreitada?
ZG – Como eu mencionei anteriormente os dois primeiros discos foram produzidos de forma independente por mim, a Lua Music não bancou a produção dos discos apenas foi minha parceira no licenciamento e lançamento dos discos no mercado.Portanto as agruras foram sempre as mesmas: falta de recursos, apoio, patrocínio, etc. E não foi por falta de tentativas, inclusive de leis de incentivo, porém nunca tive a sorte de captar recursos para nenhum dos três discos. Saíram na garra, na coragem e graças aos meus preciosos parceiros músicos.
Atualmente você vem apresentando o álbum “Abre a Janela - Zé Guilherme Canta Orlando Silva”, disco lançado em comemoração ao centenário do cantor das multidões Orlando Silva. Provavelmente você como muitos outros artistas cresceram ouvindo a voz do saudoso cantor. Você lembra quando e como foi que Orlando chamou a sua atenção?
ZG – Influência de minha mãe que me contaminou e contagiou com sua adoração por Orlando Silva já nos meus primeiros anos de vida. Não tem uma razão lógica, apenas me encantei. Foi um encantamento infanto-juvenil totalmente emocional sem explicação racional. Eu não tinha a menor noção do que era, como era, por que era, apenas aconteceu e cresceu comigo. Somente depois de adulto pude aprofundar o conhecimento com relação à obra de Orlando, sua importância, a estética do seu canto. O encantamento se consolidou e transformou-se em admiração, paixão mesmo. Amo ouvir Orlando Silva, sempre.
O centenário do Orlando, o primeiro ídolo de massa do nosso país, não vem ganhando a devida notoriedade pelos grandes canais de comunicação. Em um país sem memórias como o nosso isso corrobora significadamente para que o nome de um artista deste quilate caia no limbo do esquecimento. Qual a sua opinião sobre este contexto?
ZG – Orlando jamais cairá no “limbo do esquecimento”. E não acredito que o país seja um “país sem memória”, acredito sim que faltam ações para que a memória do país, de um modo geral (musical, cultural, social, política, histórica, etc.) seja alvo de atenção. Educação é a palavra chave. Um povo com acesso à educação é capaz de valorizar sua história em todos os aspectos. Conjugada com saúde, igualdade de oportunidades, acesso à informação, etc., a educação pode abrir caminhos e espaços para a notoriedade do país e de suas figuras ilustres e com isso reavivar, reacender a capacidade de cada um de nós de fazer a grandeza da história do país. Depende dos governantes e depende de cada um de nós a construção do nosso futuro.
O repertório do seu álbum em homenagem ao Orlando busca abranger especialmente a época dita como áurea do artista (período este que vai de 1938 a 1942). Houve esse cuidado em buscar abordar esses anos ou foi algo espontâneo devido a qualidade do repertório?
ZG – O período considerado por muitos como apogeu do Orlando, na verdade, vai de 1935 a 1942. Este foi o principal recorte que adotei para a escolha do repertório. O viés foi a escolha de canções menos densas, contemplando seu lado mais alegre como, por exemplo, os sambas que são cheios de bom humor em sua letras.
“Abre a janela” ganhará a estrada ou o tributo ao cantor das multidões se restringirá apenas aos equipamentos de som?
ZG – Confusa sua pergunta!!! Talvez esclareça eu dizer que é claro que o disco foi lançado comercialmente no mercado para ser comprado, ouvido, tocado, executado, etc. e sem sombra ser levado ao palco em shows de lançamento, turnê, circulação, divulgação, etc. A intenção não é deixá-lo na gaveta ou na prateleira restrito apenas para tocar em aparelhos de som.... A estrada é seu destino.