sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

BRUNO NEGROMONTE

Coquetel Acapulco - Entrevista Exclusiva
O entrosado grupo carioca Coquetel Acapulco ao longo deste ano veio divulgando o álbum "Dama da noite", projeto lançado após dois exitosos Ep's. Este CD de estreia (também lançado em LP) chega ao mercado graças a bem sucedida campanha de Crowdfunding (uma espécie de financiamento coletivo, onde os próprios fãs e admiradores podem disponibilizar recursos para a viabilização daquilo que se deseja). O álbum, que vem somando elogios não só do público, mas também da crítica especializada traz doze faixas autorais que documentam e atestam a deliciosa e contagiante sonoridade produzida pelos jovens como foi abordada aqui mesmo em nosso espaço a partir da matéria "Eis a dissidência do óbvio", publicada ao longo da semana passada. Através da pauta anterior pode-se conhecer um pouco mais não só da biografia, mas também da sonoridade produzida por eles, atestando que o que fazem é uma música rica e heterogênea, que tem o Ska (um género musical que teve a sua origem na Jamaica no final da década de 1950) como uma das principais diretrizes. Mesmo em volta a ensaios e apresentações, o Léo Mahfuz, integrante da trupe, gentilmente disponibilizou-se a nos conceder esta entrevista exclusiva, onde em nome de todo o grupo, aborda expectativas futuras, os diversos gêneros musicais que os constituem, a forma de compor as canções do grupo, a ideia de prensar o LP entre outras informações como o desejo de um registro em DVD. Vale a pena a leitura!
Como surgiu a ideia da formação do grupo?
CA - Nossa primeira vocalista, Luisa Baeta, foi a responsável pela origem da banda. Ela decidiu reunir músicos da cena independente carioca para tocar ska, em suas vertentes diversas. Não era um projeto autoral, começou como algo bem despretensioso, mesmo. Tínhamos em comum a paixão pelo ritmo jamaicano, mas ninguém sabia muito bem aonde aquilo nos levaria. A guinada foi quando começamos a trabalhar composições próprias, que já apontavam para novos horizontes. Gravamos uma demo com essas primeiras músicas e o resultado foi muito rápido: em poucos meses estávamos abrindo shows para o Móveis Coloniais de Acaju, ainda em 2005, e para a novaiorquina The Slackers logo depois.
O grupo já vai com oito anos de estrada e desde o início vem construindo uma sólida imagem dentro do gênero que abraçaram. Quais os maiores percalços para se firmarem do modo como hoje vocês estão conseguindo?
CA - Por desencontros da vida, a Luisa foi viver no exterior em 2007 e teve que abandonar o projeto. Perdemos uma vocalista, fundadora do grupo, e tivemos que retroceder um pouco, em plena efervescência de shows e EP recentemente lançado. A partir daí tivemos alguns contratempos até conseguir estabilizar a formação e amadurecer a nossa sonoridade. Mas sempre mantivemos a rotina de shows. Quando a Sílvia Tardin entrou para o grupo em 2010, já tínhamos uma identidade musical consolidada, foi mais fácil se planejar e investir no disco, na produção da banda dentro do mercado.
Apesar do ska predominar é possível afirmar que são influências distintas que constituem a sonoridade do grupo como podemos perceber ao ouvir o álbum “Dama da noite”. Quais nomes podemos destacar como maiores influências da música que hoje vocês fazem?
CA - Uma boa dica para entender a nossa sonoridade seriam as versões que tocamos ao vivo, todas releituras bem peculiares de diversos gêneros musicais. Do samba-canção de Cartola ao rock com pegada de música negra do The Clash. Do soul/funk de Aretha Franklin ao afrojazz do maestro Moacir Santos. Aliás, algumas bandas de ska do final da década de 90, como Hepcat e Slackers, foram importantes em mostrar que o gênero pode ser dançante e complexo, pode conviver com qualquer estilo que tenha a música negra como raiz, desde o blues até a salsa. Coisa que, aliás, o Paralamas do Sucesso de certa forma já tinha começado a experimentar um pouco no Brasil desde a década de 80.
Como se deu a escolha do repertório do álbum?
CA - Nós fomos para o estúdio no intuito de gravar todas as músicas autorais que faziam parte do repertório do show: 14 no total. Como o processo de gravação foi todo muito espontâneo, o critério para a escolha das 12 faixas do álbum acabou sendo as que estavam mais bem executadas, as que nos satisfizeram mais. Por isso, convivem no disco músicas dos primeiros anos da banda, com arranjos novos, e canções que compusemos na última hora, prestes a entrar no estúdio.
E o processo de composição de vocês? De que forma acontece?
CA - O processo é bem coletivo e natural. Normalmente escrevo as letras, mas já houve outros letristas na banda também. Quando alguém surge com uma ideia, seja um arranjo, uma harmonia ou uma melodia, nós vamos construindo em conjunto o esboço da canção. Definimos a célula rítmica juntos, o andamento, qual tempero a gente vai dar pros arranjos, o tom etc. Dificilmente a música já se apresenta toda delineada. O mais prazeroso é ver uma ideia incipiente ganhar um contorno completamente novo, uma abordagem que você sozinho jamais conceberia. O resultado é que o disco tem 7 compositores diferentes e várias parcerias, além da contribuição de cada integrante em todas as músicas.
Neste primeiro álbum vocês tiveram a ideia de também lançá-lo em LP. Vocês acreditam que retomada da fabricação do vinil no Brasil chega para dar um up ao mercado ou veio apenas para atender a um nicho específico de público, uma vez que os preços dos discos não são tão atrativos quanto o dos cd’s?
CA - A ideia de prensar o LP veio como algo que fazia todo o sentido pra gente: a arte da capa, uma foto colorizada, remete à época do vinil, é outra dimensão quando se tem o LP em mãos. Nosso som também se valoriza ao se escutar o vinil, por causa da compressão que é menor, dos graves que surgem. Quando convidamos o Victor Rice para produzir o disco, o caminho ficou ainda mais claro: ele trabalha a mixagem de forma totalmente analógica, ao vivo, utilizando máquina de rolo, fita magnética, mesa e efeitos não digitais. Até a ordem das faixas foi pensada como se o disco estivesse dividido em Lado A e Lado B. Quanto ao mercado do vinil, é uma questão ainda em aberto. Parte do interesse vem de um nicho de público, sim. Pessoas que, por nostalgia, modismo ou sincera preferência pelo som do vinil, podem se dar ao luxo de investir não só num LP como num toca-disco, que também é muito caro ainda no Brasil. Mas no exterior, especialmente na Inglaterra e nos EUAs, o preço não é proibitivo e as vendas já superam a dos cds (venda física). O diferencial, acredito, é que o vinil significa um retorno a uma lógica em que a música era menos banalizada, não existia shuffle (risos). O LP é sinônimo de qualidade e dificulta uma cópia fiel.
Vocês estão utilizando das mais diversas ferramentas existentes via internet para auxiliar na viabilização de projetos e divulgação do trabalho com uma boa receptividade do público. Como tem sido feito este trabalho?
CA - A internet não substitui a imprensa tradicional, menos ainda no meio musical. Mas permite que você crie novas conexões com o público, conheça-o melhor, possa interagir mais, mostrar seu trabalho e engajar o fã. O trabalho que realizamos através das ferramentas da internet, especialmente com as redes sociais e o Youtube, tem buscado esse elo constante com o nosso ouvinte: estar sempre próximo, mostrando o que temos a oferecer de novo, de singular, pensando esse contato de forma multimídia. Foi o que aconteceu com o crowdfunding que realizamos para lançar o disco, no ano passado. Preparamos vídeos de divulgação, oferecemos recompensas diferentes como aulas de canto e de instrumento com nossos integrantes, rodada de drinques, pocketshow, composição exclusiva e até a participação no videoclipe de Me Deixe Saber, que acabou contando com a presença de 13 apoiadores. Sejam por fotos, vídeos de shows, gravações de ensaio, músicas novas em versões acústicas, o importante é manter esse canal sempre vibrante, pois só assim conseguiremos dar vazão ao que produzimos, num mundo tão conectado e fluido.
Vocês recentemente lançaram o videoclipe da canção “Me deixe saber” alcançando 5 mil visualizações em duas semanas. Com este sucesso vocês já pensam na produção de um DVD ou algo semelhante?
CA - É uma boa ideia, hein (risos)? Foi muito gratificante gravar esse clipe, não tínhamos tanta consciência de como seria um divisor de águas pra banda. Só temos a agradecer à equipe da produtora Caos e Cinema, pelo talento e profissionalismo. Em 12 horas ininterruptas de gravação, foi possível captar muito bem o clima que queríamos. Dá vontade de fazer um segundo clipe, também. Mas realmente um DVD que captasse a nossa energia ao vivo seria algo fundamental. Assim como o clipe expandiu a forma através da qual o público enxerga a nossa música, gerou novas nuances, um DVD de um show permitira realçar o nosso lado mais dançante, mais pulsante, que o disco capta bem, mas ao vivo e visualmente é outra coisa.
Quais as expectativas para 2014?
CA - Para o ano que vem, o nosso planejamento é aproveitar a repercussão do disco e do clipe para viajar pelo país, mostrar o trabalho em outras cidades. Outro desejo nosso é conseguir desenvolver parcerias, musicais e também de produção de eventos, para fomentar novas possibilidades no meio. Gravar um segundo clipe seria ótimo, quem sabe até um DVD? Enquanto isso, já temos algumas composições novas que estão entrando no repertório do show, já pensando num próximo disco. Outra ideia legal seria gravar algo como o “Studio Sessions” que os americanos fazem tão bem. Gravações de vídeo caprichadas da banda em estúdio, com a possibilidade de exibição online e em tempo real. O futuro parece estar muito por aí.
Pra finalizar gostaria da opinião de vocês perante as polêmicas referentes a autorização ou não acerca de biografias. Artistas diversos estão tomando posições sobre a autorização ou não. Vocês tem uma opinião formada sobre o assunto?
CA - Confesso que não formei completamente a minha opinião. Num mundo ideal, sob o império do bom senso, a liberdade deveria ser total. A necessidade de autorização de biografias, do jeito como preveem atualmente os artigos do Código Civil, poderia sim abrir precedentes para no futuro se limitar o direito à informação jornalística. Recentemente assistindo à entrevista do Paulo César de Araújo, biógrafo do Roberto Carlos, no programa Roda Viva, alguém destacou que a biografia hoje é uma das últimas formas de se fazer um jornalismo mais profundo, com reflexão e mais independência. Compreendo esta demanda. Assim como compreendo o interesse em proteger a privacidade, pois não existe liberdade sem preservação da intimidade. Vide as espionagens americanas pelo mundo, em nome da guerra ao terrorismo. Em vez de olharmos para o mundo anglo saxão, que tem uma cultura mais tolerante com a invasão à privacidade, talvez o melhor fosse buscar outros exemplos de democracia. Prever uma indenização severa a quem ferir direitos de privacidade ou ofender a honra seria um grande passo, assim como a possibilidade de alguém que se sinta ofendido numa biografia possa colocar em destaque na capa essa contrariedade, como é na França, país que me parece ter um melhor equilíbrio nessa questão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário