sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

BRUNO NEGROMONTE

EIS A DISSIDÊNCIA DO ÓBVIO
Integrantes do sexteto Coquetel Acapulco lançam CD nesta sexta, no Arpoador
Lançado em 1928, o "Ensaio sobre música brasileira" do poeta, musicólogo e romancista Mário de Andrade traz de modo vanguardista questionamentos acerca das influências culturais na constituição rítmica, melódica e formal da música brasileira. Em dado momento a obra Andrade defende a plausível ideia de que a música brasileira existe além daquilo que consideramos como matrizes de nosso cancioneiro, inclusive procurando trazer questionamentos acerca de suas ideias. Para fundamentar seus pensamentos o escritor lança a seguinte reflexão: "(...) por causa do sucesso dos Oito Batutas ou do choro de Romeu Silva, por causa do sucesso artístico mais individual que nacional de Vila-Lobos, só é brasileira a obra que seguir o passo deles?". Se vivo hoje estivesse e conhecesse o som produzido por esses jovens cariocas afirmaria com toda a convicção de que valeu a pena suas horas e horas dedicadas ao assunto tendo por objetivo a elaboração de compêndios sobre o tema.
Não afirmo se os jovens do Coquetel Acapulco beberam da fonte do escritor, no entanto a prática da banda condiz e muito com as teorias defendidas pelo autor de Macunaíma, pois o grupo não tem passos definidos a seguir. É preciso enfatizar que essa autonomia não os deixam sem norte, pelo contrário, o trabalho do jovem grupo (que sofre influência de diversos estilos musicais) transforma-se em uma coesa unidade sonora e que agora é possível averiguar através deste debute fonográfico em CD e LP cujo título é "Dama da noite", e traz doze faixas autorais que misturam melodias e harmonias que trazem arraigada a identidade do grupo abordando os mais variados temas.
Criada em 2005 a banda é formada por Silvia Tardin (voz, vocais de apoio e percussão), Pedro Sucupira (saxofone e vocais de apoio), Nando Arruda (trombone e vocais de apoio), Mario Travassos (teclados), Léo Mahfuz (contrabaixo) e Filipe Rebello (bateria, percussão e vocais de apoio). Sendo da formação original apenas três integrantes: Nando, Léo e Filipe. Ao longo desses anos já passaram pelo grupo diversos vocalistas, dentre os quais Luiz Baeta, Aline Nabisi e André Monnerat. Ao longo desse período o grupo chegou a lançar dois Ep's (o primeiro em 2007 e o segundo em 2011) e agora traz como resultado de uma bem sucedida campanha de crowdfunding (campanha para obtenção de recursos através da internet). 
Sob a égide principalmente do Ska (gênero musical surgido na Jamaica na década de 1950 e que traz em sua constituição elementos sonoros caribenhos e americanos tais quaiscalipso, o jazz e o rhythm and blues), o álbum traz faixas bastante interessantes como a instrumental 'Tango' (Pedro Sucupira), que apesar do nome mostra de forma à brasileira porque o gênero musical jamaicano propagou-se rapidamente no mundo e o porquê dele ser capaz de contagiar à todos (sem exceção) já em seus primeiros acordes. A contagiante abertura dá pano pra manga para Silvia entoar 'Me deixe saber' (Léo Mahfuz) e 'Cortesia' (André Monnerat e Léo Mahfuz), que fundem-se em uma perfeita unidade sonora.
O baile não pára e de modo efusivo o Coquetel apresenta 'Da noite' (Léo Mahfuz) e continua a nos embriagar com doses sonoras mais impactantes como, por exemplo, a faixa '854' (Luiz de Marcoe Mahfuz e Sucupira) canção instrumental presente no álbum que destaca o trombone de Nando Arruda. Em 'Conga' (Luiza Baeta, Luís de Magalhães e Léo Mahfuz) destaque para o naipe de metais. Sem perder o ritmo, o baile ainda conta com 'Horizonte' (Luiz de Magalhães e Léo Mahfuz) e com a dupla Sucupira e Mahfuz, que merecem destaque pelas composições 'Amor em fuga' e 'Velho mundo', faixas que mostram a leveza sonora de um grupo que vem sabendo de modo muito coeso imprimir a sua identidade. O disco ainda conta com 'Boas maneiras', 'Que tal Paris' e 'Campo Minado', três composições de Léo Mahfuz que endossam as mais diversas situações abordadas pelo Coquetel Acapulco no álbum. Seja o universo feminino, desencontros amorosos ou descobertas pessoais, o grupo soube muito bem quais seriam as vestimentas sonoras precisas.
Masterizado no estúdio El Rocha (SP), por Fernando Sanches, a ficha técnica do projeto conta na produção também com nomes como o do norte-americano Victor Rice, músico e produtor conhecido principalmente na música jamaicana por trabalhos como The Slackers, Easy Star All Stars eNewYork Ska Jazz Ensemble, além de por produções mais recentes no Brasil com Marcelo Camelo,Bixiga 70 e a Mallu Magalhães.
Seja ska, seja reggae ou qualquer outro ritmo que os definam o importante é o grupo soube adaptar sua sonoridade às suas diversas influências, fazendo de sua música um harmonioso painel onde a contemporaneidade convive harmoniosamente com aquilo que é nostálgico. Transformando na verdade aquilo que fazem em um delicioso coquetel de ritmos , onde souberam dosar de modo preciso aquilo que constitui o som que fazem e acreditam. Vale a pena deixar-se contagiar pela alegre sonoridade deste grupo que de modo despretensioso soube associar uma impressionante leveza ao som que fazem.
Aos amigos leitores deixo a para deleite uma das canções presentes no projeto e que acabou virando a música de trabalho da trupe. Tratas-se "Me deixe saber", canção composta por Léo Mahfuz:

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