METAMORFOSEANDO A OBRA DO PAI...
Em 1977 Raul Seixas lançava pela Warner, gravadora recém chegada ao país, o álbum "O dia em que a terra parou", um disco composto apenas de parcerias dele com Claudio Roberto. Dentre as dez canções existentes no LP, destaque para três faixas: a canção que dava nome ao projeto, "Maluco Beleza" (que acabou gerando ao artista cognome homônimo a composição) e "Sapato 36", letra que traz em seu bojo a conflituosa relação entre um filho insatisfeito com as atitudes do pai que cerceiam as expectativas e projetos seus. Raul e Claudio souberam utilizar muito bem de paráfrases e outros artifícios linguísticos para dar o tom da narrativa. Frases como "Eu calço é 37, meu pai me dá 36..." explicita a insatisfação existente e que tem como veredito a abrupta mudança por si só quando o personagem diz: "Pai já tô indo-me embora... Eu quero partir sem brigar... Já escolhi meu sapato... Que não vai mais me apertar...". Tal lição foi muito bem incutida posteriormente por Vivian Costa Seixas, que à época ainda não era nascida.
Quando o pai partiu Vivian estava com 8 anos de idade e talvez não mensurasse a grandeza da obra de Raul dentro da música popular brasileira e nem muito menos imaginava que os caminhos que viria a traçar posteriormente em dado momento se encontraria com esta obra atemporal. Tudo começou em 1998 quando a artista partiu para um intercâmbio na Austrália que durou um ano. Foi neste período que a filha ultimogênita de um dos maiores nomes da música brasileira escolheu o sapato que coube de modo mais adequado ao seu pé ao encantar-se pelos bits da house music, estilo música eletrônica estilo surgido nos Estados Unidos na primeira metade da década de 1980 derivada da disco music. Ao voltar para o Brasil adotou o nome artístico de Vivi Seixas e começou a discotecar tornando-se hoje uma das deejays mais conhecidas e prestigiadas na cena eletrônica nacional, mostrando sem delongas a hegemonia do seu DNA sobre sua arte.
"Geração da luz - Clássicos de Raul Seixas metamorfoseados" é a prova documental dessa afirmação. É um álbum com faixas que intercalam-se entre sucessos e temas menos conhecidos da lavra de Raul e seus parceiros. Dentre as onze faixas estão a versão em espanhol de um grande sucesso composto por Raul a exatamente 40 anos: 'Metamorfose Ambulante', canção lançada no álbum "Krig, ha, Bandolo!" e que vem atravessando as décadas intactas como uma das obras-primas da música popular brasileira. Deste mesmo álbum há também a faixa 'Mosca na sopa', outro hit de autoria do músico baiano. Do disco "Abre-te Sésamo", de 1980, a Dj pincelou quatro canções: 'Conversa Pra Boi Dormir' (Raul Seixas), 'Só Pra Variar' (Raul - Kika Seixas - Cláudio Roberto) e duas parcerias entre Raul e Claudio Roberto, são elas 'Aluga-se' e 'Rock das Aranha'. De 1983 vem 'Carimbador Maluco', cujo autoria é creditada apenas a Raul.
Da antológica parceria entre Raul e Paulo Coelho há duas canções: 'super heróis' e 'Como vovó já dizia', ambas lançadas em 1974. A primeira fez parte da trilha sonora da telenovela global O Rebu, cuja a trilha foi quase toda composta pela dupla e a segunda encontra-se no disco "Gita", lançado em 1974. O álbum ainda conta com faixa 'A geração da luz', uma das parcerias existente entre os pais de Vivi e registrada em 1984 no álbum "Metrô Linha 743".
A ideia dessa homenagem surgiu quando Vivi conseguiu junto as gravadoras vários registros a capella do pai. Dessa aquisição até a realização do projeto foram cerca de 06 anos e parece que veio a contento, pois o álbum trata-se de uma realização pessoal fundamentada no desejo de sacramentar em definitivo para as novas gerações a obra de um pai por sua filha a partir da uma nova roupagem estética e musical. "O desejo de Raul era colocar sua impressão digital no planeta terra. Hoje, realizo o seu sonho e o meu sonho de passar suas mensagens para as próximas gerações."
O álbum foi gravado nos Estudios Hanoi Hanoi e NaGarage e conta com a participação de alguns músico como Alamo Leal (national stell, violão e guitarra), Arnaldo Brandão (baixo e guitarra), Pedro Augusto (rhodes), Donatinho (teclados) e Plínio Profeta (theremin, guitarra, baixo e piano). Plínio (vencedor de um Grammy Latino) ainda assume ao lado de Vivi e do californiano Mike Frugaletti as programações, produção e batidas. Curiosamente sob este prisma, a deejay traz ao álbum uma miscelânea sonora composta por ritmos como o hip hop, o rock, o drum and bass, o deep house, entre outros que curiosamente não fazem com que o trabalho perca a unidade peculiar na qual a obra do roqueiro baiano encontra-se eternizada. Se analisarmos bem veremos que esse experimentalismo encontra-se de modo bastante marcante também na obra de Raul conforme a própria Vivi afirma: "Ele adorava mudar, evoluir, misturar estilos, por isso não tive medo de ousar."
Metamorfoseando-se entre bits e lembranças afetivas Vivi atesta veementemente a sua condição de destaque dentro do gênero musical ao qual abraçou. E é tocando a obra de seu genitor nas pistas de dança (e agora em disco) que o famoso bordão "Toca Raul" ganha, de modo sui generis, um novo sentido, mais vibrante e altivo. Fazendo com que as mais de duas décadas de partida do saudoso maluco beleza percam o sentido. Vivi Seixas, com toda elegância e versatilidade, substancia-se nas variantes do house e nas diversas influências que constitui o seu trabalho para fazer valer que, assim como seu pai, não vale a pena ter aquela velha opinião formada sobre tudo.
Para audição dos amigos leitores seguem duas canções. A primeira trata-se de "Metamorfose ambulante", um dos maiores hits da carreira do artista baiano que aqui ganha uma versão em espanhol:
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