quarta-feira, 19 de novembro de 2014

COISAS DA VIDA

MULHER DIREITA

Violante Pimentel

Violante Pimentel é procuradora aposentada
 do Estado do Rio Grande do Norte

Seu Josias era um antigo ferroviário de Nova-Cruz, casado com Dona Dalva, com quem tivera apenas uma filha.

Diziam as más línguas que esse cidadão, durante toda a sua vida, havia levado mais chifres do que pano de toureiro. A mulher dele, bonitona e fogosa, só se aquietara mesmo depois de velha, e por falta de oportunidade.

O trabalho de maquinista da Rede Ferroviária Federal o absorvia muito e o afastava da vida familiar. A administração da casa, por isso, ficava a cargo da esposa. Todos os dias, ela arranjava um pretexto para sair de casa.

Muito vaidosa, a mulher caprichava nas roupas justas e decotadas, que lhe realçavam o enorme busto. Gostava de adereços e se maquiava com exagero.

O marido nunca suspeitou da sua infidelidade. Analfabeto e sem maldade, tinha verdadeira adoração pela mulher. Considerava a esposa uma verdadeira santa.

A filha do casal, logo cedo, casou-se com um servidor público e foi morar em outro Estado. As pessoas antigas e fofoqueiras incluíam nas suas conversas os casos que Dona Dalva, quando era mais moça, havia tido, com vários homens da cidade, inclusive com um conhecido comerciante, muito sério e acima de qualquer suspeita.
 
Os anos se passaram, o casal envelheceu, permanecendo sempre muito unido. À tardinha, colocavam cadeiras de balanço na calçada e ficavam conversando. Quase sempre se juntava a eles, para uma boa prosa, alguma vizinha ou outra pessoa amiga que por ali passasse. Com Seu Josias e Dona Dalva morava, apenas, uma empregada antiga.

Num dia de domingo, ao acordar pela manhã, seu Josias notou algo estranho na esposa e, tocando-lhe a face, percebeu que ela estava morta. O médico da cidade foi chamado, e atestou que a “causa mortis” havia sido um AVC.

O velório ocorreu em casa mesmo, como era costume da época, estendendo-se por toda a madrugada. O sepultamento seria às 8 horas. A chegada da filha, genro e neto do casal aumentou o clima de emoção e lágrimas. À medida que a noite avançava, diminuía o número de pessoas presentes na sala, onde o corpo estava sendo velado.

De repente, em plena madrugada, o velho ferroviário, soluçando copiosamente, chegou perto do caixão, beijou a esposa, e começou a lamentar a falta que ela lhe faria e a saudade que iria sentir. Transtornado, Seu Josias começou a fazer elogios à falecida, repetindo diversas vezes:

--“Mulher “dereita” tá aqui”!

 A cena era comovente. Os amigos deixaram o viúvo à vontade com a filha, o genro e o neto rapaz, e se afastaram até a calçada. Entre eles estava o velho Paulo Benedito, dono de uma língua afiada, e exímio conhecedor dos deslizes de adultério da falecida. Coçando a cabeça e visivelmente irritado, pois não gostava de demagogia barata, o velho Paulo Benedito cochichou com dois amigos:

-Ora, que besteira de Josias, dizendo que Dalva era uma mulher direita!...  Em 1935, Josias já era CORNO!!!




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