Daniella Alcarpe - Entrevista exclusiva
Recentemente trouxemos ao público leitor aqui da coluna mais uma vez o nome da cantora paulista Daniella Alcarpe, artista esta que vem divulgando atualmente o seu segundo projeto fonográfico batizado de "O tempo salta". Técnica e talento fundem-se de modo singular nesta artista que desde o ano de 2009 resolveu aventurar-se no universo fonográfico com o elogiadíssimo "Qué que cê qué", trazendo ao conhecimento do grande público todo o know-how adquirido ao longo de anos através dos diversos conservatórios pelos quais passou. A esse conhecimento teórico soma-se o desmedido talento e um carisma especial que a faz galgar espaços cada vez mais significativos dentro daquilo que almeja alcançar na música e a torna uma das grandes promessas da nossa MPB. Se em um primeiro momento Alcarpe conseguiu retratar de modo bastante peculiar alguns dos tradicionais ritmos brasileiros em um projeto que buscou exibir um pouco mais o lado escuso do nosso Brasil musical, agora ela apresenta um projeto que procura mostrar toda a sua versalidade trazendo o tempo como regente. Por falar em tempo, Daniella se dispôs a conceder um pouco do seu para nos atender e responder esta entrevista exclusiva, onde fala um pouco sobre este novo álbum, o seu lado compositora e também sobre projetos internacionais entre outras coisas que vocês podem conferir a seguir. Boa leitura!
O álbum 'Qué que cê qué', seu primeiro registro fonográfico, foi muito bem avaliado pela crítica especializada assim como também pelo grande público. Querendo ou não isso faz com que a responsabilidade do trabalho seguinte aumente em relação ao anterior, se o contexto for tomado como parâmetro. Como tem sido a recepção de todos a este novo projeto? Tem seguido a mesma trilha do primeiro álbum?
Daniella Alcarpe - Sim, é verdade, a responsabilidade aumenta mesmo. Isso eu acho muito bom, é uma angústia construtiva, uma busca para uma evolução em direção ao Belo, ao Bom, ao Verdadeiro, no sentido grego mesmo. O primeiro CD se concentrou nos ritmos brasileiros, era uma busca das raízes. Agora, com "O Tempo Salta", o leque se abriu, permitindo uma sonoridade mais variada, como por exemplo o tango que eu gravei. A recepção deste segundo CD tem sido muito boa. Aos poucos, a gente vai criando um público que acompanha o trabalho e isso é muito gratificante. As pessoas tem falado da maturidade vocal, gostam da seleção de músicas, dos arranjos. "O Tempo Salta" traz canções de 13 compositores. Estou bastante contente com o resultado final, mas também já estou pensando no próximo trabalho...
Como este projeto se delineou para que chegasse a ter como temática o tempo?
DA - O tempo, esse mistério, né? Hoje em dia, a gente pensa muito em espaço. O tempo se reduz ao tempo dentro do espaço: ontem, hoje, amanhã, segundos, horas, há dez anos, daqui a 20 anos. Mas o tempo é cósmico, é mítico, é misterioso. Eu queria falar deste tempo que está esquecido hoje em dia, dos lapsos de tempo na vida de cada um, do que dá sentido à passagem do tempo, dos tempos marcantes, dos tempos roubados. Na verdade, o tempo de cada um existe porque é marcado por acontecimentos: o primeiro trabalho, o nascimento de um filho, a morte de um ser querido. Ou um grande amor, uma grande desilusão, um grande susto. É nessas horas que o tempo salta. Era sobre isso que eu queria falar.
Dentro da vasta obra do Caetano Veloso você escolheu Trem das cores para interpretar neste álbum. Algum motivo especial para esta escolha?
DA - Caetano Veloso é meu compositor preferido. Adoro tudo o que ele faz ... Ouvindo "Trem das Cores", senti que nesta canção, o tempo é eterno. Eu a escolhi não só pela beleza, mas por ser uma contraposição aos saltos no tempo.
Há entre os compositores deste álbum alguns nomes que estiveram presentes no trabalho anterior. Qual o critério utilizado para a escolha das demais faixas?
DA - A escolha de repertório é uma atividade constante na minha vida, tenho uma sede de ouvir músicas novas. Também por princípio eu escuto tudo o que eu recebo. E por várias razões, de proximidade, de identidade, de admiração, eu acompanho mais de perto o trabalho de alguns compositores. É por isso que canções de Joca Freire, Zé de Riba, Lucy Casas, João Marcondes e Carlos Careqa estão em ambos os CDs. Neste segundo CD há compositores que eu queria gravar já faz tempo, como o Caetano, Kleber Albuquerque, Alexandre Lemos, Fred Martins, e algumas novas descobertas como Douglas Germano, Tié Alves e Daniel Borges. Fico procurando na obra destes artistas as mensagens que eu quero transmitir de acordo com o trabalho que estou desenvolvendo. Pode-se dizer que são as músicas que decidem a escolha dos compositores.
Vem de Carlos Careqa o título do seu álbum anterior e neste novo projeto ele é figura de destaque não só assinando algumas composições, mas também dividindo os vocais com você em uma das faixas. Você poderia nos contar como surgiu essa parceria?
DA - O Careqa eu conheci através da Lucy (Casas), compositora e grande amiga, que me mostrou os dois primeiros discos dele há muito tempo. Eu tinha 18 anos e me apaixonei pelas canções. Então, comecei a acompanhar o seu trabalho, de longe ainda. Um belo dia, peguei o telefone de contato na capa de um CD e me apresentei! Nasceu uma amizade, que só vem crescendo. O Careqa sempre foi muito generoso comigo, eu tenho uma grande admiração pelo trabalho dele e pra mim é uma alegria e uma honra ter dividido o palco com ele nos shows de lançamento de "O Tempo Salta" (na maravilhosa canção "Chorando em 2001").
O caminho das pedras é muito mais tortuoso para o artista independente e isso vem sendo atestado por você desde o seu primeiro projeto fonográfico, no entanto você se vê livre das amarras de uma gravadora o que acaba dando ao seu trabalho uma maior autonomia, fazendo com que haja a possibilidade das coisas delinearem-se do modo como você bem quer. Em sua opinião há mais prós ou contras em um contexto como este?
DA - Eu prefiro ser uma artista independente, embora hoje em dia, existam gravadoras que dão muita liberdade ao artista. A popularização dos meios digitais, da Internet e a das redes sociais, além de novas plataformas para artistas, permite que se faça um trabalho de divulgação e aproximação com o público, sem a necessidade de grandes gastos financeiros. As tecnologias de gravação em estúdio também se tornaram acessíveis. Com tudo isso, além da criatividade e os parceiros certos, a gente consegue fazer milagres como artista independente!
Ainda neste contexto o que temos visto no meio cultural como um dos assuntos que mais tem ganho evidências nos últimos dias tem sido a PEC da música que está por ser promulgada. Há diversos pontos divergentes nesta Proposta de Emenda Constitucional que, segundo muitos artistas, procura atender a interesses apenas daqueles que vendem milhares/milhões de disco ou que estão vinculados às grandes gravadoras. Qual a sua opinião como artista independente?
DA - Acho que qualquer corte ou diminuição de impostos num produto cultural brasileiro é benvindo.
Desde o lançamento do álbum Qué que cê qué em 2009 que você vem sedimentando sua carreira no exterior principalmente através de redes sociais como Jango e outras. Talvez motivado por esse tenham surgidos oportunidades de apresentações sua em países como a França e os Estados Unidos. Como tem sido a receptividade do público estrangeiro nessas apresentações internacionais?
DA - É encantador como a música brasileira é recebida lá fora. Eu tenho um enorme prazer em divulgar a nossa língua, (que por si só já é super musical), as nossas melodias, nossos ritmos, nossa cultura. Estou aprendendo muito com estas experiências, pois nossas canções têm em suas letras uma profundidade e é diferente cantar e pensar em transmitir nuances poéticos próprios da língua para os estrangeiros que não entendem o português. Pois as vezes caímos no exótico e esta não é a minha ideia. Tive uma experiência interessante: após um show que fiz em NY, conversei com uma senhora do público, e conversa vai, conversa vem, expus minha angustia a ela em relação a como me fazer entender em português pra um público estrangeiro. E ela me disse para eu ficar tranquila que sua alma havia sido tocada pela musica está linguagem mágica e universal e que ao ouvir som do português mesmo sem entender nada do que eu dizia ela podia, mesmo assim, saber o que minha alma dizia a alma dela. Achei isso bem bonito isso, fiquei feliz, mas a busca continua.....
Dando continuidade ao assunto abordado na pergunta anterior vemos que há muitos casos de artistas com enorme prestígio no exterior e pouca notoriedade no Brasil. Exemplo disso são nomes como Airto Moreira, Cibelle, Flora Purim entre outros. Qual a sua opinião sobre o assunto?
DA - Acho que cada um tem seu destino, um caminho próprio a ser traçado. É muito bom para a música brasileira ter embaixadores de qualidade no exterior.
O que podemos esperar para 2015 da Daniella Alcarpe?
DA - Muitos shows! E muita pesquisa de repertório: o trabalho continua e já tenho algumas músicas escolhidas para o terceiro CD, dentre elas uma parceria minha com o Carlos Careqa.
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