quarta-feira, 5 de novembro de 2014

COISAS DA VIDA

A OBRIGAÇÃO DO MATRIMÔNIO


(Por Violante Pimentel) Havia em Nova-Cruz um dono de mercearia, chamado Antônio Gato, casado, há bastante tempo, com Zefinha, vinte anos mais jovem do que ele. O casal tinha três filhos ainda pequenos e pretendia aumentar a prole. Formavam uma família feliz.

Zefinha, amante calorosa, desempenhava muito bem as funções de dona de casa, esposa e mãe. O tempo foi passando, e, de um dia pra noite, Antônio Gato começou a ficar triste, sem graça, acabrunhado, irritado, com ar de preocupação, o que despertou a atenção dos amigos mais próximos. Quando lhe perguntavam o que estava acontecendo, a resposta era sempre negativa, e ele mudava de assunto.

Chegou um dia em que ele, não suportando mais o problema que o afligia, dirigiu-se à casa de um compadre seu, chamado Delmiro, comerciante antigo, muito religioso, que era uma espécie de orientador espiritual da cidade. O compadre o recebeu muito bem e os dois foram conversar a sós, numa sala reservada. Antônio Gato permaneceu em silêncio algum tempo, mas depois criou coragem e falou:

 - Compadre Delmiro, eu vim aqui conversar com o senhor, sobre um problema que eu estou passando… O problema, compadre, é o seguinte:

-- Já faz seis meses que Zefinha, minha esposa, não quer mais cumprir a obrigação do matrimônio. Ela não deixa mais eu fazer um carinho nela, não quer mais nada comigo na cama, e foge de mim, como o diabo foge da cruz!… E o coitado começou a chorar. Constrangido diante dessa cena, Seu Delmiro prometeu ao compadre que iria mandar chamar a comadre Zefinha, para ter uma conversa com ela e dar-lhe uns conselhos. Cumprindo a promessa, no dia seguinte, mandou chamar a comadre, que o atendeu imediatamente. Um pouco assustada, Zefinha ouviu o que o homem tinha para lhe dizer:

 - Comadre, eu mandei chamar a senhora aqui pra conversar, porque o compadre Antônio veio aqui ontem, muito abatido e triste, e me contou que já faz seis meses que a senhora não quer cumprir a obrigação do matrimônio. Isso é verdade, comadre? A mulher empalideceu de vergonha, baixou a cabeça, calou-se por alguns minutos, até que, diante da insistência do compadre, resolveu contar a verdade:

Violante Pimentel
Violante Pimentel é procuradora aposentada
 do Estado do Rio Grande do Norte

 - Compadre Delmiro, eu não vou negar. O que Antônio contou ao senhor é tudo verdade… Já faz seis meses que eu não quero mais nada com ele. Eu não tenho mais vontade. Tomei um abuso triste dele e não sei fingir. Eu sei que a mulher que casa tem que cumprir a obrigação do matrimônio, mas eu não obedeço mais, e agora só Deus me obriga! Antônio tá ficando velho, não tem mais aquela dureza que o senhor sabe o que é, e, de uns tempos pra cá, eu esfriei de vez, e ja comecei a sentir nele catinga de macaco! Aí, lá vem ele sem roupa, olha pra mim e fica dizendo: “Chegue, minha filha! Chegue minha filha, vamos fazer mais menino!” Meu compadre, quando eu vejo aquela arrumação, aquele homem velho, com aquela coisa feia sem dureza nenhuma, tenho vontade de sair correndo! Eu tenho é ódio! E ele passa uma hora dizendo “chegue, minha filha, chegue, minha filha!” Eu garanto que se fosse com o senhor, o senhor também não ia. Fale sério, meu compadre, se fosse com o senhor, o senhor ia?

Seu Delmiro, indignado, respondeu:

 - Claro que não! O diabo é quem ia! Tá bom, comadre Zefinha, tá bom, a conversa terminou aqui!

Antônio Gato adoeceu de tristeza, e terminou seus dias levando mais chifre do que pano de toureiro.




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