TEXTOS, CONTEXTOS E
PRETEXTOS
Escultura do poeta João Cabral de Melo Neto no Recife |
Dizem que o poeta João
Cabral de Melo Neto, no final da vida, aborrecia-se quando vinha ao Recife por
conta do número excessivo de poetas novatos a querem lhe mostrar seus textos.
Como se já não lhe bastasse o séquito de puxa-sacos e falsos admiradores a
querer desfrutar da sua intimidade. O poeta que voltava sempre em busca de paz
e do tempo perdido (o Recife do seu tempo já lhe era um retrato pendurado na
parede) não suportava os ruídos da modernidade recifenses a lhe açodar os
ouvidos. Morreu, aliás, sem que nunca o deixassem em paz.
Penso nisso sempre que
ouso enviar meus textos para outros poetas e escritores, críticos literários e
amigos mais aguçados. Mas, para que nos serviria um texto se não fosse para ser
lido e interpretado por outras almas e discernimentos? A inquietação de querer
estabelecer um diálogo com o outro é legítima, do mesmo modo que também é
legítima a recusa do outro em fazer qualquer leitura ou mesmo qualquer
interpretação por mais superficial que seja de um texto com o qual não se
identifique.
Escrever e fazer poemas
não é fácil, camaradas. Pois, como dizia Mário de Andrade, há sempre uma gota
de sangue em cada um deles. Ao poeta cabe escrever para expor a sua cosmovisão,
para contrapor ao mundo real a sua proposta cósmica. Esse é o primeiro e, às
vezes, angustiante momento. Encorpada a concepção, cabe ao poeta buscar
identidades, tanto no sentido de dar autenticidade ao seu esboço quanto no
sentido de compor agrupamentos.
CLÓVIS CAMPÊLO |
Afinal, ao sonho
solitário talvez só caiba o esquecimento. Como já disse outro poeta
pernambucano, Carlos Pena Filho, é dos sonhos dos homens que se constrói o
mundo. Complementando com ousadia, eu diria que é dos sonhos dos homens e da
perspectiva de lucro do mercado com ele. Mas esse é um pequeno detalhe que cabe
ao poeta resolver no seu íntimo e impedir que se transforme em empecilho ou
transtorno para as suas pretensões de poeta. O poeta não tem o direito de
apenas ser um nefelibata. Deve também domar o lado selvagem da vida.
Hoje, com o advento da
internet e de outras mídias de massa temos vias bilaterais para expandir a
informação. Já não somos mais passivos receptores a aguardar que nos
bombardeiem em sentido único. Pode o poeta e escritor também emitir a sua
mensagem. Pode optar por divulgar os seus textos apenas na grande rede, sem a
necessidade de editar livros que na maioria das vezes não tem como escoar nem
introduzir no mercado literário. Livros que custarão caro e que sem ter como
serem distribuídos, com certeza, encalharão nas prateleiras de alguma estante
doméstica, sem direito a público ou reconhecimento.
Escrever e fazer poemas
não é fácil, camaradas. Ser uma referência para poetas e escritores iniciantes,
também não. Que o diga o poeta João Cabral de Melo Neto. Ele tinha razão. Os
mortos sempre têm razão. Viver e poetar é para quem pode!
Recife, outubro 2014
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