OS CARANGUEJOS E A LÍNGUA
PORTUGUESA
Nunca gostei muito de
comer caranguejos. Sempre achei isso um sacrifício exagerado para pouco
resultado.
Segundo a Wikipédia, os
caranguejos, também conhecidos como uaçás, auçás e guaiás, são crustáceos da
infraordem Brachyura, caracterizados por terem o corpo totalmente protegido por
uma carapaça, quatro pares de patas (pereópodes) terminadas em unhas pontudas,
o primeiro dos quais normalmente transformado em fortes pinças e, geralmente, o
abdômen reduzido e dobrado por baixo do cefalotórax. Os pleópodes se encontram
na parte dobrada do abdômen e, nas fêmeas, são utilizados para proteção dos
ovos. Ou seja, é muita carapaça a ser superada para se chegar nas carnes
minguadas. Sinceramente, amigos, do caranguejo só curto o pirão feito com o
caldo do seu cozimento e farinha de mandioca. Um prato tipicamente nordestino e
delicioso.
Tem gente que gosta,
porém. A minha cunhada Lizane, por exemplo, é uma exterminadora de caranguejos.
Chega a consumir quinze ou mais de uma só vez, devidamente acompanhados pelo
precioso líquido de uma cerveja estupidamente gelada.
Mas, para mim, além da
carapaça quase intransponível, os caranguejos também me confundiam quanto à
maneira de escrever o seu nome. Em vez do ditongo (nome que se dá à combinação
de um som vocálico com um som semivocálico emitidos num só esforço de voz, ou
numa mesma sílaba), durante muito tempo utilizei o tritongo – carangueijo,
erradamente, com uma vogal e duas semivogais. Um caranguejo cheio de letras,
para um escritor cheio de “pernas”, como eles. Um escriba pereópede.
Talvez estivesse eu a
precisar, como a boneca Emília, de Monteiro Lobato, de uma visita ao País da
Gramática, livro escrito e publicado pelo escritor paulista em 1934. Nele, a
língua é figurada como um país, povoado por sílabas, pronomes, numerais,
advérbios, verbos, adjetivos, substantivos, preposições, conjunções,
interjeições, etc.Alguns críticos afirmam que Lobato escreveu o livro sob o
estigma da vingança, por ter sido reprovado, aos quatorze anos, numa prova de
português.
Pode ser. Mas o livro
não deixa de ser interessante e criativo, onde as palavras são hierarquicamente
classificadas de acordo com a sua importância na construção da frase. E faz do
conhecimento gramatical um processo agradável.
Mas, depois dessa
agradável digressão, voltemos aos caranguejos para finalizarmos essa crônica
que já se alonga. Nos anos 60, no Pina, no local onde hoje se ergue o Shopping
Rio Mar, nos os caçávamos de andada, em tempo de trovoadas, ou em armadilhas
feitas com latas de óleo vazias. Com a maré baixa, deixávamos as armadilhas com
as iscas na entrada das locas, no final da tarde. No outro dia, pela manhã, era
ir buscá-las com os caranguejos presos.
Mas isso era no tempo
em que o Recife tinha mangues fáceis e fartos...
Recife, setembro 2014
Excelente texto! Parabéns!
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