sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A NAVALHA DO GIGGIO



O pai sempre foi especial, educado demais, jamais colocou os palavrões que sabia da boca para fora. Generoso, inverteu a lógica do mercado: o prestador de serviços não precisava lhe fazer mesuras, cumprir com suas obrigações. Sempre foi grato a todos, homem bom. A tudo e a todos relevava. Quase tolo, de tão bom. Por conta disso, o pai não perdeu o pescoço por pouco.  

Desde sempre, a família de Giggio viveu e se manteve da nobre arte de cortar cabelos, fazer barbas. (As mulheres da família partiram para o caminho da depilação). O salão mudava de lugar... O pai ia atrás. O pai de Giggio morreu. Os tios também não comeram castanhas naquele Natal do fatídico ano de 1973. Giggio partiu para o negócio próprio, sem pai, sem tios. Alugou um espaço, abriu salão. E o pai foi atrás. O problema é que Giggio tomava todas – e mais algumas. Mas o pai ia atrás, fiel aos costumes, às tradições.

Um dia – que dia! – o pai foi cortar os poucos cabelos que lhe restavam e aparar a barba rala. Giggio pegou a navalha. Ela fremia mais que arma de Lampião da Vila Invernada. E Giggio falou:

-- Vou tomar uma, para equilibrar a marcha lenta, volto logo, fique aí.

O pai deixou o dinheiro da barba e do cabelo, mais caixinha, sob a navalha. Nunca mais voltou no Giggio. Salvou o pescoço. Não perdi o pai.




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