O POETA E O VIOLÃO
Um dos poetas mais
fotografados da literatura brasileira talvez tenha sido o pernambucano Manuel Bandeira.
Entre as dezenas de imagens suas, porém, duas sempre me chamaram a atenção: são
fotografias onde o bardo da Rua da União aparece tocando um violão.
De início, imaginei que
Bandeira apenas se aproveitara do violão para fazer pose e firula, encarnando o
poeta tocador que eu imaginava que nunca tivesse sido. No entanto, em um texto
escrito por seu conterrâneo João Condé, constante na 20ª edição do livro “Estrela da vida inteira”, lançado em
1993 pela Editora Nova Fronteira, está explícito: “Já tocou violão e sabe
executar ao piano dois prelúdios de Chopin, um número de carnaval de Schumann e
uma peçazinha de Mac-Dowell”. Ou seja, o poeta não era tão inocente assim!
Aliás, nesse pequeno
texto de exaltação, Condé nos revela outros dados interessantes do poeta
Bandeira: “Não gosta de abiu nem de caqui, nem de melancia... Gosta de jiló,
cinema falado, rádio e de poetas de segunda ordem... Guarda pelo Recife a sua
ternura de infância... Gosta de: tirar retratos, ver figuras, ler suplementos
literários, bestar, etc”. Para mim, assim, também está explicado: o poeta
exercitava uma cumplicidade criativa com os seus fotógrafos!
Nas fotografias
citadas, cujos autores, infelizmente, não consegui identificar, percebemos que
o poeta tinha dedos longos de violonista. Os dedos da mão esquerda parecem
privilegiar as cordas mais agudas do instrumento, enquanto os dedos da mão
direita sugerem um dedilhado competente e adequado.
Em um texto chamado
“Literatura de violão”, escrito pelo próprio Bandeira, o poeta nos revela o quanto
entendia do assunto: “Desgraçadamente entre nós o violão foi até aqui cultivado
de uma maneira desleixada. É verdade que a sua técnica é ingratíssima e o tempo
perdido em adquirir nele um mecanismo sofrível será bem mais compensador
aplicado a outro instrumento de repertório mais rico e mais nobre. O desleixo
em todo caso era excessivo. Desconhecia-se por completo o dedilhado da mão
direita. Basta dizer que se reservava o polegar para os bordões, o índice para
o sol, o médio para o si e o anular para a prima. E esse dedilhado de arpejo
era pau para toda obra. Havia dedilhados mais extraordinários. Lembro-me de ter
ouvido no sertão do Ceará a um cego que só se serviu do índex. Quando tocava,
dava a impressão de estar escrevendo nas cordas do violão. Só com esse dedo Zé
Cego pintava o bode... O que não faria ele se conhecesse a verdadeira técnica
do instrumento?”
CLÓVIS CAMPÊLO |
O violão para Bandeira
era uma coisa séria, tão séria quanto a sua produção poética. Talvez por isso,
por se achar um violonista menor, é que tenha dele desistido. Para nosso
gáudio, perdemos um violonista mediano, mas ganhamos um poeta de primeira
grandeza, estrela de uma vida inteira.
Recife, outubro 2014
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