AS MÃOS DE LÁ E AS MÃOS DE
CÁ
(POR CLÓVIS CAMPÊLO) Enquanto no Brasil
Anísio Silva cantava “Quero beijar-te as mãos”, em Londres, no dia 17 de
outubro de 1963, nos estúdios Abbey Road, os Beatles gravavam “I want to hold
your hand”. Entre o bolero e o rock, muito mais do que o Oceano Atlântico.
Anísio Silva nasceu em
Calculé, no interior da Bahia, em 1920. Iniciou a sua carreira tardiamente, no
Rio de Janeiro, aos 32 anos de idade. Gravou o seu primeiro disco, “Sonhando
contigo”, pelo selo Odeon, em 1957. Dois anos depois lançou o segundo LP,
“Anísio Silva Canta Para Você”, onde se destacou a música “Quero beijar-te as
mãos”, de Arsênio de Carvalho e Lourival Faissal. Segundo os estudiosos da MPB,
ao longo da sua carreira vendeu mais de dez milhões de discos. Amigo do
presidente Juscelino Kubitschek, Anísio Silva cantou na inauguração de
Brasília, em 1960. Morreu no Rio de Janeiro, aos 68 anos, em 1989.
The Beatles, talvez
ainda hoje o maior nome da indústria fonográfica e do show bussiness mundial,
vendeu muito mais do que isso. Primeiro sucesso dos Beatles nos Estados Unidos,
a música “I Want to Hold Your Hand”, foi por eles tocada no programa Ed
Sullivan Show, em 1964, quando da primeira visita do quarteto ao país de Tio
Sam. Com uma harmonia simples, a música fala sobre uma declaração de amor. Do
mesmo modo que “Quero beijar-te as mãos”.
No entanto,
diferenciam-se pela atitude do galanteador diante do objeto desejado. Enquanto
Silva, fala de “um divinal querer”, “mundo de esplendor” e “maior enlevo”, os
caipiras de Liverpool eram muito mais diretos e incisivos: “diga-me que você me
deixará ser o seu homem”.
Enquanto a música de
Carvalho e Faissal transfere para um futuro próximo a concretização do ato
(“será um mundo de esplendor o nosso amor”), Lennon e McCartney já expressam no
colóquio o sentimento do presente realizado (“E quando eu te toco me sinto
feliz por dentro”).
Digamos que o
romantismo expresso na música cantada por Anísio Silva, reflete um momento de
indefinições na música popular brasileira anterior à Bossa Nova. Não só no que
tange à forma (um bolero, ou uma guarânia como querem alguns) quanto ao
conteúdo da mensagem: a divinização do amor e da mulher, com a necessidade do
homem provar o seu mérito na conquista (“Se tu me quiseres tanto quanto eu que
vivo para te adorar).
Os rapazes do
pós-calipso vão direto ao assunto: “quando eu te disser aquelas coisas, eu
quero segurar a tua mão”. Ou seja, eu te toco e eu te tenho. E as guitarras
avisavam: aumenta que isso aí é rock'n'roll!
Mudava o mundo com a
guerra fria, a corrida espacial e outros babados mais, e também mudavam as
relações humanas, com uma nova visão da questão sexual e do direito às
prerrogativas do prazer.
Tudo isso estava
implícito nas letras e nas entrelinhas das canções.
Recife, outubro 2014
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